segunda-feira, abril 10, 2006

 
Notas para a sessão de abertura da Conferência
“A Nova Entidade Reguladora
no Quadro das Políticas de Comunicação em Portugal”

Universidade do Minho, 10 de Abril de 2006

Manuel Pinto

Na qualidade de coordenador do Mediascópio, gostaria de agradecer a presença de todos, em particular daqueles que aceitaram debater as políticas de comunicação e o problema da regulação no nosso país.
O projecto Mediascópio reúne cerca de uma dúzia de investigadores, na sua quase totalidade pertencentes ao Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, os quais se juntaram, há cerca de quatro anos, para acompanhar, com as ferramentas teóricas e metodológicas das ciências da comunicação, o panorama mediático português num quadro global. Com o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, este projecto recolhe, classifica e disponibiliza, numa base diária, e para efeitos de investigação, aquilo que os principais media impressos publicam sobre os próprios media. Produz, desde 1995, uma cronologia de acontecimentos neste campo, elabora relatórios quinquenais sobre as tendências mais significativas e aprofunda temáticas que, a partir de ocorrências relevantes, suscitam análise e estudo aprofundados.
Encontrando-se na recta final da respectiva vigência, o Mediascópio está a procurar reunir condições que permitam dar continuidade ao trabalho até agora desenvolvido. E para tal vai passar a assumir-se como observatório permanente dos media, com uma actividade estruturada em três eixos de análise, a saber:

· análise da programação televisiva, centrada em particular na informação e na programação para a infância e adolescência;
· análise das mutações do jornalismo no quadro da migração para o digital
· e, finalmente, análise das políticas de comunicação e dos media.
Em todas estas vertentes o Mediascópio foi construindo uma competência específica, baseada em investigação própria, contando, sempre que necessário, com o contributo de outros investigadores do país e do estrangeiro.
Entendemos que a nossa função de académicos e de investigadores do social é também um serviço à sociedade e aos agentes sociais. Esse serviço passa pela escolha dos temas e problemas, pelo rigor teórico-metodológico e pela disponibilização dos resultados. Mas, no caso do Mediascópio, passa igualmente por uma atenção próxima e constante ao acontecer das coisas, aos fenómenos menos visíveis, e, sempre que as situações e problemas o justifiquem, pela intervenção pública. O olhar crítico e distanciado que se exige da investigação não pode levar, no nosso caso, ao alheamento, ao esperar até se ter toda a informação relevante.
Para não ficar dependente dos ritmos da edição, que caracterizam a publicitação de livros e revistas, e tirando partido da versatilidade das novas ferramentas de auto-edição, a equipa do Mediascópio passará a ser a animadora do weblogue Jornalismo e Comunicação, que completa amanhã quatro anos de vida, e que nasceu nesta Universidade quando em Portugal quase ninguém conhecia a blogosfera. Nesse espaço se continuará um trabalho que vários dos seus membros já desenvolvem, dialogando com a comunidade dos profissionais do jornalismo e dos media, com outros actores da cena mediática e simples cidadãos interessados por estes assuntos.
Nesta mesma linha, e no momento em que a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) entra em funções, gostaríamos de deixar expressa a nossa inteira disponibilidade para colaborar, nomeadamente, através da realização de estudos ou de pareceres técnicos de que a ERC careça para a consecução do seu papel regulador e que se inscrevam no âmbito das nossas linhas de estudo.

Porquê a iniciativa desta conferência?
· Organizámos esta conferência porque entendemos que a função de regulação não pode ser matéria confinada apenas à relação regulador-regulados;
· Organizámos esta conferência porque entendemos que é necessário que diferentes actores directa ou indirectamente implicados nas políticas de comunicação, se encontrem e debatam os seus pontos de vista, num quadro liberto da pressão de outras agendas que não sejam as do próprio debate;
· Organizámos este encontro porque nos encontrámos num momento complexo e, ao mesmo tempo, desafiador, de mudanças culturais, políticas e tecnológicas, em que se torna necessário afirmar a cidadania face aos media;
· Organizámos esta iniciativa porque entendemos que, apesar de todas as contradições e de todas as polémicas que envolveram o nascimento da ERC, é importante debater a existência de uma instância de regulação e o modo como a função reguladora se exerce;
Gostaríamos que este ponto – o modo como a função reguladora se exerce – fosse um eixo condutor e uma preocupação dominante, nos trabalhos deste dia.
Bem-vindos e bom debate.

quinta-feira, novembro 10, 2005

 
Achegas sobre o estado da televisão em Portugal

Carta enviada a 9.11, por e-mai,l por Álvaro José Ferreira:

"Cara Senhora Prof.ª Felisbela Lopes,

Na segunda-feira passada, depois de ouvir o excelente programa "Questões de Moral", de Joel Costa, na Antena 2, sobre Luchino Visconti, liguei para a TSF onde tive a oportunidade de ouvir a sua lúcida e pertinente intervenção no fórum em boa hora dedicado à discussão sobre o nosso panorama televisivo, a pretexto do aparecimento de um novo canal espanhol em sinal aberto.
Subscrevo sem qualquer reserva todas as palavras que proferiu na antena da TSF. Na verdade, a programação da SIC e da TVI já não se pode considerar generalista mas sim temática – telenovelas e pseudo-‘reality shows’. Não podia estar mais de acordo consigo quando diz que a actual programação dos canais privados em sinal aberto já não tem nada a ver com os projectos que foram submetidos a apreciação e votados para atribuição das licenças.
Eu pergunto: não caberia à Alta Autoridade para a Comunicação Social zelar para que não fosse permitido o desvio que foi praticado? O próprio poder político (Assembleia da República, Governo e Presidência da República) tem muitas culpas no cartório por terem feito visto grossa às alterações de estratégia implementadas pelas televisões privadas, com o argumento falacioso da racionalidade económica. Penso que é consensual que uma empresa de televisão tem obrigações acrescidas às que são exigidas a outro qualquer negócio. Fazer televisão não é o mesmo que fazer sabonetes. O mercado televisivo é um mercado regulado e, como tal, quem decide apostar nessa área tem de se sujeitar às regras estipuladas e previamente definidas. Se algum operador deixa de apresentar um serviço em concordância com tais regras só há uma coisa a fazer: retirar-lhe a licença e pô-la novamente a concurso. O investimento em património imobiliário e em equipamento audiovisual e os direitos dos trabalhadores – argumentos aos quais o ministro Augusto Santos Silva diz ter de se atender - não podem ser as razões invocadas para as licenças serem outorgadas ad aeternum à mesma empresa.
Concordo que os direitos dos trabalhadores devam ser salvaguardados, mas isso está bem longe de ser um argumento válido para a renovação da licença sempre à mesma empresa. Bastaria alterar a legislação no sentido das empresas que ganhassem o concurso de atribuição das licenças assumirem a contratação do respectivo pessoal. Quanto aos activos patrimoniais e financeiros e eventual passivo, proceder-se-ia como é usual nos processos de falência nas demais sociedades comerciais. Até poderia dar-se o caso da empresa que ganhasse o concurso comprar boa parte desse património.
Quanto à televisão pública, também me parece que os espaços de debate e de entrevista estão muito confinados aos políticos e às figuras representativas de certas corporações. Tenho de admitir que a televisão pública tem registado uma crescente melhoria desde a saída de Emídio Rangel, com o desaparecimento de programas de duvidoso serviço público como "Gregos e Troianos" em boa hora reformulado para "Prós e Contras" e de outros programas de entretenimento de baixo nível, ao mesmo tempo que se passou a dar mais atenção à ficção de qualidade com mini-séries estrangeiras e séries de época de produção nacional. Concordo que o programa da Fátima Campos Ferreira se restringe em demasia às questões da agenda política, e que poderia dar mais atenção a outras questões importantes para o país. No entanto, reconheço que os "Prós e Contras" tem prestado um serviço digno de nota, se bem que determinados assuntos não fiquem devidamente esclarecidos para o cidadão comum.
Neste ponto, penso que a rádio, com o "Fórum TSF" e a "Antena Aberta", prestam um melhor serviço do que a televisão para o esclarecimento dos cidadãos, com a mais valia do público poder dizer de sua justiça coisa que não acontece na televisão.
Uma área em que a televisão pública está a falhar de forma flagrante prende-se com a inexistência de um espaço de grande reportagem que já existiu e foi incompreensivelmente abandonado. A SIC ainda vai fazendo umas mini-reportagens de inegável serviço público incluídas no Jornal da Noite de sábado, mas tenho algumas dúvidas se essas reportagens são feitas a pensar no canal generalista. Estou em crer que são feitas porque existe uma SIC Notícias, sendo depois aproveitadas para enriquecer os noticiários do canal generalista. O programa "Hora Extra" da Conceição Lino - que referiu muito a propósito - era um espaço de indiscutível interesse e partilho da sua opinião quanto ao horário tardio. Pessoalmente, costumava programar o videogravador e depois via o programa no dia seguinte à hora em que passam as telenovelas, os ‘reality shows’ e os concursos.
Também me parece que a RTP-N tem muitas deficiências resultantes de baixo investimento no canal, mas penso que poderia conquistar pontos à SIC Notícias se apostasse de outra maneira na informação regional, designadamente a norte do rio Mondego. Fora da área estritamente informativa, tem alguns programas de interesse como "Estes Difíceis Amores", de Júlio Machado Vaz e Gabriela Moita e "Livro Aberto", de Francisco José Viegas mas a repetição sucessiva das mesmas peças noticiosas acaba por ser um factor dissuasor do telespectador (por mim falo).
Também não pude deixar de reparar no facto de Emídio Rangel vir aplaudir a sua intervenção, mas depois contradizendo o sentido da mesma ao defender um novo canal em sinal aberto em Portugal. Teria gostado mais de ouvi-lo fazer uma autocrítica pois não restam dúvidas que ele é o grande responsável pelo início da degradação da qualidade da televisão em Portugal. Ao defender um novo canal, parece-me que Emídio Rangel está a ser oportunista e pensar sobretudo em si próprio como o presumível director desse canal. Estou firmemente convencido que esse canal não teria viabilidade económica, atendendo ao relativamente escasso bolo publicitário, e tenho a ideia que a médio prazo iria enveredar pelo mesmo caminho que a SIC e a TVI, derivando para numa programação de baixíssimo nível à base de telenovelas e ‘reality shows’. Mas vejo com bons olhos que apareçam canais em sinal aberto generalistas e temáticos, quando for lançada a televisão digital terrestre (que está a ter um sucesso enorme na Grã-Bretanha).
Parece-me que o atraso para a implementação da TDT em Portugal se está a dever aos interesses monopolistas da Portugal Telecom enquanto proprietária da empresa TV Cabo Portugal. Para salvaguardar o negócio de uma empresa privada, o Governo vai protelando para as calendas gregas as licenças de televisão digital terrestre, essa sim poderia corresponder de forma mais cabal aos vários segmentos do público que não podem ou não querem subscrever os pacotes da TV Cabo e que não se revêem na programação dos actuais quatro canais em sinal aberto.
Numa altura em que o Governo parece estar empenhado em renovar as licenças aos actuais operadores privados de televisão, achei muito oportuna ter sido trazida esta temática para a discussão pública. Por isso, faço questão de felicitá-la a si e também aos seus colegas docentes da Universidade do Minho pelo artigo pertinente que subscreveram no jornal “Público”, no dia 07 de Novembro último, porque a sociedade só fica a ganhar quando os especialistas que trabalham no meio académico não se confinam aos muros da academia e dão o seu valioso contributo na apresentação e discussão de temas que os políticos e os partidos não põem na agenda por mera conveniência político-partidária. Também quero felicitar a direcção da TSF pelo sentido de oportunidade ao pegar num tema que nem sempre tem tido a atenção que merecia em razão da importância que a televisão tem na ocupação dos tempos livres de boa parte da população portuguesa e – não menos importante – na formação do imaginário das crianças e jovens que não têm hábitos de leitura.

Assim como a televisão está – e muito bem – a ser objecto de reflexão, seria importante que não fosse esquecida a rádio, que talvez por ser menos visível não tem merecido a atenção que devia. No panorama das rádios de cobertura nacional assiste-se a uma confrangedora mediocridade e falta de alternativas para os ouvintes que, além da informação da TSF e da música clássica da Antena 2, gostariam de fruir de outros produtos de qualidade.
Seria expectável que o canal generalista da rádio pública – a Antena 1 – se afirmasse como uma alternativa válida a quem deseja ouvir a música que não passa nas rádios que dependem da publicidade. Mas não! A Antena 1 tem-se pautado por uma estratégia de mimetismo dos conteúdos musicais das rádios privadas implementando uma ‘play list’ que ainda consegue ser mais medíocre em alguns aspectos a saber: o banimento ou exclusão de um extenso rol de nomes do fado e da música popular portuguesa a que não escapam os nomes maiores (Amália, Carlos do Carmo, José Afonso, Adriano Coreia de Oliveira, Carlos Paredes, etc. à vide lista abaixo), ao mesmo tempo que é dado um favorecimento desmesurado à pop music do mais baixo quilate com a repetição dos mesmos temas vezes sem conta. É caso para dizer que a música pop está para a Antena 1 como as novelas brasileiras estão para a SIC e as novelas portuguesas para a TVI. Sempre e mais do mesmo!
Para as últimas direcções da Antena 1 a conquista de audiências a todo o custo passou a ser mais importante que a prestação de um verdadeiro serviço público. A linha que vem sendo prosseguida na Antena 1 não deixa dúvidas quanto ao desvio e mesmo à deturpação do serviço público que lhe caberia prestar na defesa e promoção da língua e cultura portuguesas e dos valores que exprimem a identidade nacional.
Esperar-se-ia que a AACS desempenhasse o papel que lhe competiria de regulação e vigilância, mas lamentavelmente a sua atitude tem sido de uma completa omissão e de uma imperdoável negligência. Alguns bloggers como João Paulo Meneses e Jorge Guimarães Silva têm tido a preocupação meritória de opinar sobre a estratégia da Antena 1, mas seria importante que a questão extravasasse a blogosfera e pudesse ser discutida nos media convencionais, por forma a que um público tão vasto quanto possível pudesse dele tomar verdadeira consciência e reflectir sobre ele. Nesta conformidade, tomo a liberdade de lhe enviar cópia de um ‘post’ de João Paulo Meneses, com a devida vénia ao autor, e o meu comentário ao mesmo.

Com os melhores cumprimentos,

Álvaro José Ferreira"

segunda-feira, maio 30, 2005

 
What Professional and Citizen Journalists Can Learn From Each Other
Dan Gillmor on Fri, 2005-05-27.

(Keynote speech at the World Editors Forum annual conference).

Thank you so much for your kind welcome, and thank you to the World Editors Forum for honoring me with this invitation.
This is only my third visit to Seoul. The first time was about 12 years ago, when I came to visit American friends who were living here at the time. They showed me around a city that impressed me with its vigor and enthusiasm. My second visit was in 2003. I was researching my book, We the Media, which I'm delighted to say will be published in Korean in the next few weeks, and I made that trip to visit OhmyNews, the brilliant and influential publication that has had such an impact on this nation, and on everyone contemplating citizen journalism. Mr. Oh and his team feature prominently in my book, and I'm looking forward to visiting their offices again while I'm here this week.
It's a pleasure and a particular honor to be among my journalism colleagues today. Journalism is an honorable craft. It is also an essential one in a world where shining lights into dark corners -- and telling truth to power -- is a frequently difficult, and sometimes dangerous, task.
I would like to discuss with you today a topic that is taking up more and more of my time. I left my daily newspaper job early this year after almost a quarter of a century in the newspaper business -- a gratifying and personally rewarding career -- to work full-time on my more recent passion, citizen journalism.
In my conversations with people in the mainstream or mass media, and with people in this emerging citizen journalism sphere, however, I've encountered a gap in understanding. Sometimes it verges on outright hostility.
In America, many bloggers from the political right wing have turned "MSM" -- which is short for mainstream media -- into an insult. Some journalists from big media companies, likewise, have dismissed online journalists as irresponsible, even dangerous meddlers in their sacred business.
Some tension is inevitable, and not an entirely negative thing. Competition can make us all better at what we do. But we have a lot we can -- and must -- learn from each other.
Before I offer some specific suggestions, please allow me to restate the central theme of my work. Something important is happening in the world of journalism:. It's an evolution from the lecture model, to which we in mass media have become accustomed in the past century, to something closer to a conversation. The shift stems from the collision of technology with media.
This evolution is having an effect on all three major constituencies of journalism. The most important of those is what I call the former audience -- the people who until recently were our readers, listeners and viewers, who until recently were either buying our lectures or not. Now they can create their own incoming news reports, sorting among the enormous amount of online information -- some of which Mr. Bharat and his company are so smartly sorting for us -- and not having to be satisfied with a single source. Even more important, the former audience can now become part of the journalism process, whether by communicating with professional journalists or, increasingly, producing their own content. The rise of RSS (which stands for Really Simple Syndication), SMS (short text messages), weblogs and OhmyNews are just several of the many examples of this phenomenon.
That, by the way, is the last time I'll talk about technology today in any specific way, because this trend is more about people than gadgets. Citizen journalism is made possible by what's new. It will be made excellent because of what people do with it.
Experiments in citizen journalism are a global phenomenon, not just an American one. Let me quickly show you some of the ones I find most interesting. I'm sure many of you could show me equally compelling examples.
[Slides here]
The second major constituency of journalism fits into a category we call newsmakers, the people and institutions we journalists write about. They are facing profound changes. Something new is being done to them. Where they once dealt with a finite number of media observers, now they must deal with bloggers, podcasters, online chat rooms and a variety of other ways in which people are talking among themselves. At the same time, newsmakers have powerful new ways to deliver their own messages. When they use these tools and techniques to become more transparent -- to have genuine conversations with their customers and other constituents -- they are finding great value.
The third constituency of journalism is, of course, you and me: the professional journalists.
We have a great deal to learn from others. If we accept the idea that we are moving toward a more conversational system, then we must remember that the first rule in having a conversation is to listen.
When I went to Silicon Valley to write about technology, I learned quickly a fact of life that has been at the heart of my citizen journalism notions ever since. It was simple: My readers knew more than I did, and they were happy to tell me what I didn't know, or at least some of it.
I believe this concept is true for all journalists. No matter what the topic you are writing about, your collected readers know more than you about the subject. This is true by definition.
The value in this should be clear to all of us. Readers can help us understand our subjects better. They can give us facts we did not know. They can add nuance. They can ask follow-up questions. And, of course, they can tell us when we are wrong.
The now-famous CBS News mess from the election of 2004 was a case in which citizen journalists challenged the established media to great effect. You may recall that CBS broadcast a report about President Bush's long-ago military service. The story was based in significant part on documents purportedly written by Bush's former commander. Bloggers attacked the report, in particular the authenticity of the documents, asking tough questions. Soon, major media organizations jumped into the story. CBS was initially defensive, but ultimately was forced to admit it had not done its job properly.
The CBS case was an exception, because the major media do in the end work hard to get stories right, and they succeed for the most part. But bloggers have become media observers, watchdogs, who are not going to stop holding major media organizations to account. This is not the most pleasant notion for journalists whose every public move is now under observation. Yet it is more useful than not. We are fond of holding everyone else to account; more scrutiny of our own methods and motives is not a bad idea.
The online world has also brought forth an ethic that we in mass media would do well to adopt. This is the willingness not just to engage with our audiences, but also to correct our mistakes quickly and publicly. When we publish a newspaper or broadcast a news report, it is done, to some degree. A correction of an error may appear on Page 2 of the newspaper the next day, or a broadcaster may later acknowledge the mistake. On the Web, we can fix what is wrong right away, limiting any damage we might cause to future readers. Being human like the rest of us, I've made mistakes in my writing, and corrected them as soon as I knew of the mistakes.
I'm happier contemplating a scenario in which citizen reporters work with professionals in a less adversarial way. News organizations should be inviting the former audience not just into the process of commenting on the news, but also creating news reports.
For that to happen, professionals need to open up -- in a number of ways.
If we lecture citizen reporters, treating them like children, they will ignore us. Rightly so.
Instead, we can offer respect for the good things they do. We must not dismiss them, as a former CBS executive did during the CBS News debacle, as those people in pajamas, a cynical reference to the fact that some bloggers are writing at home and, yes, sometimes in their pajamas.
Taking citizen journalists seriously, as OhmyNews does so effectively, also means offering useful advice. And just as we should listen to the voices from the edges of networks, the citizen journalists -- people who are doing journalistic work -- would do well to listen to the people who do it for a living. We professionals aren't perfect, far from it, but we have learned a useful technique or two in the past century of this trade. And we have adopted some useful principles as well.
Indeed, I hope, as my citizen journalism projects get off the ground, to combine the best practices and principles of traditional journalism with the fervor and knowledge and talent that exists out at the edges of digital networks. Helping citizen journalists understand those best practices is one of my goals, and I hope it will be one of yours over time as well.
What are those principles? The best journalism has many qualities, but I believe four stand out.
First is thoroughness. When I was writing news for a living, I was always happiest when I wrote 10 percent of what I'd learned: the most important 10 percent.
Second, accuracy. Check facts. Attribute to credible sources what you can't check yourself. And tell your readers what you don't know, if it's important, not just what you do.
Third, fairness. This is more ambiguous, but we all know when we're being fair and when we are not.
Finally, transparency. I'm not saying journalists should necessarily reveal everything about themselves, but if they bring any bias to the story it should be disclosed.
We can also point people to resources where they can learn more about how journalism works, where they can learn techniques of, for example, how to conduct an interview or look at a financial statement. We can explain how we have done an article, taking people through the various steps. We can read what citizen journalists write, offering comments and asking questions.
I've been asked by many people to explain what I'm doing in my venture since leaving the San Jose Mercury News. My new site, which we call Bayosphere.com, is devoted to covering the San Francisco Bay Area, a multi-community region that is home to about 7 million people, a place where technology is one of the principal economic engines. In a community of geography, we have many strong communities of interest, but technology is plainly a key.
At the moment, Bayosphere is my blog plus some forums. It will be much more in the near future, as we roll out features and tools for members of the community who want to participate beyond being an audience. I'm looking forward to learning from them.
That is one reason why my role is distinctly different than I'd originally envisioned. I will be a host, not the editor.
But given my overriding goal, as I just noted, to combine the best practices and principles of traditional journalism with the fervor and knowledge and talent that exists out at the edges of digital networks, I will not be a passive host. And the community must not be passive, either, when it comes to self-policing.
So we are asking the members of our community -- and if it's not a community it will fail -- to exercise some responsibilities. As we say on the site, "You own your words." We adapted that from one of the first great online communities of the past, a place known as the Well.
When you own your words and write something that others may want to read, you can sell or license what you have written to others. But when you own your words and defame someone, you may be sued. With ownership comes a certain responsibility.
Most blogs and other online postings are not journalism, and don't pretend to be. I would not dream of asking a typical blogger, for example, to exercise journalistic care when writing something about, say, a household pet. But when a blogger is doing something we might call journalism, a willingness to be responsible may be as important as the desire to speak.
The penalty for bad behavior in the blog world is rarely a lawsuit. More typically, it's the loss of readers, an appropriate result. In a sphere where few citizen journalists are out to make a living at what they do, this is a true marketplace of ideas, and the best ones should win.
This doesn't mean that citizen reporting should always be an exercise in volunteering. We must develop sound business models to support new media forms. They are coming.
But money is not the major push behind citizen journalism. It is the entirely human desire to tell each other our stories, to help each other navigate through this complex and often insane world.
Citizen journalists are not the enemies of professional journalists, though they will make us furious from time to time, especially when they criticize what we do. They are part of an emergent ecosystem. Sometimes they will be an especially engaged audience, commenting and suggesting. And sometimes they will take matters into their own hands, to do some reporting and tell the rest of us what they know. In both cases I will be happy to call them colleagues, part of a vital global conversation.
We are just getting started. I can't wait to see how it proceeds.

sexta-feira, maio 20, 2005

 
O caso República: um incidente crítico [1]

Mário Mesquita

Revisitado, a 20 anos de distância, o caso República configura-se, nas suas múltiplas dimensões, como uma experiência arqueológica. As questões da ideologia recolocam-se noutros termos, após o fim da guerra fria. Temas como as «sociedades de redactores», o «repórter power» ou a «censura operária» sairam da agenda. O sindicalismo está em crise. Os conflitos entre jornalistas e gráficos, acerca do conteúdo da Imprensa, estão fora da ordem do dia, entre outros motivos porque, após a reconversão tecnológica e a informatização das redacções, a profissão de tipógrafo sofreu, ela própria, uma transformação radical, enquanto os jornalistas passaram a intervir de forma decisiva na composição e paginação dos jornais.
Qualquer jovem desperto para a política após a simbólica queda do muro de Berlim terá alguma dificuldade, se não em entender a reconstituição dos acontecimentos, pelo menos em compreender plenamente as paixões desencadeadas pelo conflito à volta do jornal da Rua da Misericórdia, em perceber por que motivo o escritor Álvaro Guerra, ele próprio redactor do República, na altura do conflito, afirmou a este respeito: «Não me lembro se chorei materialmente com lágrimas, mas por dentro chorei com certeza, porque foi a destruição de um símbolo que representava muito da luta contra o regime de repressão...»[2].
O caso do jornal República conferiu, a partir de Maio de 1975, dimensão internacional, ao problema da liberdade de Imprensa e da definição do regime político em Portugal. Em nome da Revolução e da liberdade de Imprensa destruiu-se o símbolo da própria liberdade de Imprensa.
A luta fratricida entre os vencedores de Abril assumiu proporções dramáticas. A principal clivagem da vida política portuguesa já não se situava, em 1975, entre salazaristas e anti-salazaristas. Desde o 11 de Março, o confronto processava-se entre defensores da democracia representativa e adeptos da ditadura de desenvolvimento, sob a forma de «democracia popular» ou de regime «terceiro-mundista».
A análise do caso República tem qualquer coisa de comum com aquelas bonecas tradicionais russas chamadas matrioskas: dentro da boneca principal está outra boneca escondida; dentro da segunda, há uma terceira, e outra, e outra, e outra...
Através do caso República discutiram-se a Lei de Imprensa, o controlo operário, a organização da empresa jornalística, os poderes do director e do conselho de redacção, o direito à informação, a unidade da esquerda portuguesa e francesa, o eurocomunismo, os regimes do Leste europeu. Mas o que estava em jogo ultrapassava, afinal, tudo isso e situava-se para além do destino da velha casa da Rua da Misericórdia, da vontade dos trabalhadores da Editorial República ou das questões específicas da Imprensa. O conflito do República transformou-se um episódio decisivo da luta política em que se jogava a natureza do regime português e, num plano mais vasto, o respeito ou desrespeito pela divisão do mundo em áreas de influência, consagrada em Ialta.
Este artigo representa apenas um contributo para reconstituir o «caso», nas suas dimensões de aquém e além fronteiras. Jornalista do República, de Dezembro de 1971 a Março de 1975, não me terá sido possível abstrair da memória de certos acontecimentos em que participei. O caso República não consentia atitudes neutrais a quem nele, de alguma forma, interveio. Neutralidade confundia-se com demissão ou cumplicidade. A minha posição, nessa altura, foi de solidariedade com a direcção e a redacção do República. Não o oculto, mas procurei evitar que esta reconstituição dos factos se confundisse com o testemunho pessoal ou o depoimento memorialístico, que seriam, aliás, legítimos, desde que claramente assumidos como tal.

Os herdeiros de António José de Almeida

Durante a época salazarista, o República simbolizava, na Imprensa legal, a resistência possível ao regime. Fundado por António José de Almeida, era depositário da tradição liberal e laica do 5 de Outubro. Figuras de relevo da Maçonaria estiveram ligadas ao jornal, como sucedia com o presidente do Conselho de Administração da Editorial República (empresa proprietária), Luis Dias Amado, que desempenhava, simultaneamente as funções de Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano. Carvalhão Duarte, José Magalhães Godinho e Raul Rêgo, seus últimos directores, foram ou são personalidades destacadas da área republicana e socialista.
No início da década de 70, dirigentes da Acção Socialista Portuguesa (precursora do PS) adquiriram posição maioritária entre os accionistas da empresa, através de uma operação financeira (aumento do capital social) que teve o acordo dos velhos republicanos até então detentores de influência preponderante no jornal. Nessa época, já o PCP, actuando ao abrigo do denominador comum anti-fascista, que tinha certo peso na redacção e, sobretudo, entre os tipógrafos, não viu com bons olhos o «novo patrão».
Mário Soares relata, em Portugal: que Revolução?, que já nos anos 60 «os comunistas teriam gostado de se apoderar do jornal, comprando as acções repartidas por dezenas de republicanos», mas Carvalhão Duarte quis evitar «uma operação de controlo completamente contrária às tradições do jornal e apelou, por essa razão, para os socialistas.» [3].
O PCP nunca se conformou com a ideia de que o jornal pertencia aos dirigentes da ASP (mais tarde PS) e argumentou sempre com a compra da rotativa do República através de uma subscrição pública, aberta a todos os oposicionistas, na qual os comunistas também haviam participado.
Durante o Estado Novo, o jornal tivera importância, nomeadamente nas épocas de descompressão eleitoral que o regime tolerava para estrangeiro ver. Nas campanhas presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado desempenhou papel relevante, mas, no início da década de 70, sob a direcção de Carvalhão Duarte, pouco mais era do que uma relíquia e atravessava profunda crise. Quando os socialistas tomaram conta da empresa, a tiragem não atingia 10 mil exemplares e o jornal mantinha-se graças às assinaturas da província que, por devoção e fé republicana, se propagavam de geração em geração.
Tratava-se, em suma, de um orgão em decadência, embora intransigentemente fiel aos princípios oposicionistas. O seu código interno era rígido, a ponto de terem sido abolidas do vocabulário do jornal certas expressões julgadas ofensivas do ideário anti-fascista e anti-clerical. O nome de Salazar, por exemplo, nunca constava das páginas do República. Palavras como «missa» ou «padre» também eram cuidadosamente substituídas por outras consideradas menos ofensivas dos sentimentos republicanos.
A equipa jornalística dirigida por Raul Rêgo [4] e Vítor Direito acabou com esse espírito de museu vivo e insuflou-lhe novo dinamismo. Nos anos de 1972 a 1974, o quotidiano, beneficindo da descompressão marcelista, ganhou nova vida e triplicou a tiragem. Deste modo, o República chegou ao 25 de Abril rejuvenescido e com o prestígio de ter sido o único diário português que se assumia, explicitamente, como orgão da oposição democrática, embora outros, como o «Diário de Lisboa», comungassem de uma atitude de crítitica face ao regime.

Jornalistas divididos

A partir de Junho de 1974, o mal-estar instalou-se na redacção, ainda em surdina, entre os sectores afectos ao PS e ao PCP, com os independentes a oscilarem entre as duas lógicas inconciliáveis. Os jornalistas e outros elementos afectos ao PCP queixavam-se que o PS pretendia fazer prevalecer uma orientação partidária, enquanto os socialistas alegavam defender um orgão autónomo, mas de tendência socialista democrática[5]. Os comunistas e seus compagnons de route procuravam impôr a sua concepção censória de unidade anti-fascista, o que, naturalmente, colidia com qualquer crítica à linha Vasco Gonçalves, ao MDP/CDE ou ao socialismo de modelo soviético. De Junho de 1974 a Maio de 1975, o conflito agravou-se e as relações humanas deterioraram-se.
No período imediatamente posterior ao 25 de Abril, as votações em reuniões de redacção inclinavam-se, por escassa diferença, no sentido do PCP. A admissão de novos jornalistas veio reforçar, ainda no ano de 1974, a tendência socialista. Isso reflectiu-se na composição do Conselho de Redacção.
Gustavo Soromenho, administrador da Empresa, descreveu a situação ao CI, num depoimento oral, desta forma pitoresca:
«A redacção estava dividida entre socialistas e comunistas tendo estes em determinada altura, a maioria. Quando foi feita uma eleição para o Conselho de Redacção, o Partido comunista escolheu quatro comunistas e um quinto, que era socialista, para disfarçar (...)
Posteriormente houve outra eleição para o Conselho de Redacção, visto que o mandato anterior tinha terminado, e desta vez sucedeu precisamente o contrário: foram eleitos quatro socialistas e um comunista para disfarçar[6]».
A alteração no equilíbrio interno do jornal deveu-se à entrada de novos jornalistas, contratados pela Administração e pela direcção do jornal [7]. Após o 11 de Março, registou-se uma mudança decisiva na composição do quadro redactorial do República: os jornalistas afectos ou próximos do PCP demitiram-se e foram reforçar os quadros gonçalvistas de outros jornais ou orgãos de informação.
Helena Marques, então sub-chefe de redacção do República, afirmou ao Conselho de Imprensa que «ouviu dizer lá dentro (do República) que esses jornalistas que saíram, a maioria deles (e acentua que a frase que vai dizer é sic): foram ocupar postos de combate no Diário de Notícias».[8]
Esta retirada estratégica teve por efeito precipitar os acontecimentos, forçando a bipolarização: de um lado, a Direcção e a Redacção, de tendência socialista; do outro, os restantes trabalhadores, liderados pelos gráficos, de tendência comunista e de extrema-esquerda revolucionária.
Através de sucessivas «reuniões gerais», ganhou corpo a exigência de intervenção do conjunto dos trabalhadores, quer na gestão da empresa quer na orientação do jornal. Entre as reivindicações consideradas prioritárias, avultava o controlo da admissão de novos jornalistas, questão candente devido às admissões verificadas ao longo do ano de 1974, às demissões verificadas no início de 1975 e à intenção já anunciada pela Administração e pela Direcção de reforçar a equipa redactorial.[9]
Além dos jornalistas de tendência comunista, registou-se, também, a saída de profissionais socialistas para o Jornal Novo, cujo primeiro número foi posto à venda a 16 de Abril de 1975.[10]
Já após a saída dos redactores afectos ou simpatizantes do PCP, intensificou-se a contestação à Direcção do jornal. Primeiro, de forma indirecta, através da oposição à entrada de novos jornalistas. Depois, mais frontalmente, responsabilizando-a por uma baixa de tiragem, segundo números fornecidos pelo director comercial.
A 2 de Maio, apresentaram-se dois novos jornalistas na redacção, o que funcionou como causa próxima da agudização do conflito.
O depoimento de Jardim Gonçalves, membro do Conselho de Redacção, é elucidativo:
«Os gráficos, ao tomarem conhecimento da chegada de dois novos redactores, fizeram um ultimatum: ou esses dois redactores abandonavam o jornal dentro de dez minutos ou tomariam posição face à Redacção e à Direcção.
Como o Conselho de Redacção e a Direcção achassem que esses novos redactores deviam ficar, os gráficos decidiram fazer um jornal por sua conta.»[11]
O República não chegou a sair, sob a responsabilidade da Comissão de Trabalhadores, embora a edição tenha sido preparada. Importa reter o testemunho de Gustavo Soromenho:
«Os gráficos queriam fazer um jornal e a redacção não o queria fazer. No entanto, conseguiram a solidariedade de três ou quatro redactores que os ajudaram a fazer o jornal, ficando este pronto a sair. Entretanto, o dr. Raul Rêgo declarou que não consentia que o jornal saísse com o seu nome.
Assim, ele, Gustavo Soromenho, foi falar com os homens das máquinas, dizendo-lhes que eles não podiam fazer o jornal, porque o Sr. Director não queria que ele saísse com o seu nome, o que estava no seu pleníssimo direito
Fez-se, então, uma votação para ver se devia ou não sair o jornal. O resultado foi de oitenta e tal votos contra cinquenta e tantos a favor da saída do jornal.
Portanto, o jornal saiu.»[12]
As questões substantivas relacionavam-se, no entanto, com o conteúdo jornalístico. Atente-se na versão fornecida por Mário Soares em entrevista concedida a Dominique Pouchin:
«D.P. - Como rebentou o conflito?
M.S. - Depois de uma série de escaramuças significativas, a primeira confrontação séria deflagrou no dia seguinte aos incidentes do 1º de Maio. Os jornalistas encarregados de descrever os acontecimentos, que queriam destacar as responsabilidades —evidentes— da Intersindical e do PCP, foram postos à margem por uma minoria da redacção e, por fim, alguns tipógrafos impediram a saída do jornal. Nos dias seguintes as tensões tornaram-se cada vez mais vivas, e, no dia 19 de Maio, os comunistas quiseram censurar dois artigos que lhes desagradavam: o primeiro dizia respeito ao regresso da China de uma delegação do PCP-m.l. e o segundo, mais importante, revelava as depurações escandalosas que se preparavam na Televisão. A informação baseava-se num relatório mais ou menos secreto da célula comunista da RTP que exigia a expulsão de várias dezenas de jornalistas, uns 'culpados de adultério', outros acusados de serem 'homossexuais'...
D.P. - O jornal saiu sem nenhum corte?
M.S. - Sim, mas foi isso que fez rebentar definitivamente o conflito. Alguns tipógrafos adoptaram uma atitude que tornava a vida impossível à redacção, pretendendo controlar o seu trabalho, substituindo deste modo os censores de outros tempos. O assalto entrava na sua última fase. os comunistas, no comando da operação, impulsionaram a acção».[13]

A redacção sequestrada

O pedido de demissão do director comercial, Álvaro Belo Marques, apresentado, verbalmente, ao administrador Gustavo Soromenho, a 14 de Maio, abriu caminho à fase mais dramática da crise. Belo Marques invocou «pressões de vária ordem que não o deixavam fazer o trabalho que seria necessário para o bem da empresa».[14]
Após o pedido de demissão de Belo Marques - relata Gustavo Soromenho - «circulam folhas em branco para os trabalhadores assinarem, alegando como motivo a não saída de Álvaro Belo Marques. No entanto, o que surge depois é uma moção assinada por noventa trabalhadores em que se pede a demissão do Director e do Chefe de Redacção».[15]
A escalada reivindicativa culminou na manhã de 19 de Maio, com a exigência da demissão dos directores Raul Rêgo e Vitor Direito, bem como o Chefe de Redacção, João Gomes. Os jornalistas na sua quase totalidade (22 votos contra 2), opuseram-se frontalmente. Um abaixo assinado, subscrito por 93 elementos dos sectores gráfico e administrativo, comunicava à Direcção que se devia considerar demitida, enquanto a Comissão de Trabalhadores anunciava que prepararia sozinha o jornal, se a redacção se recusasse a fazê-lo.
Ao fim da manhã, os jornalistas estavam, na prática, sequestrados: piquetes impediam o acesso à redacção e tinham ordem de não deixar reentrar os redactores que saíssem. À hora habitual, foi posta à venda uma edição ilegal do República, trazendo no cabeçalho o nome do antigo director comercial, indigitado pela Comissão dos Trabalhadores para substituir Raul Rêgo.
Arons de Carvalho, então jornalista do República, relatou ao Conselho de Imprensa o que se passou na redacção:
«Houve um facto que lhe parece lamentável que foi o de as pessoas que saíssem do jornal República não poderiam entrar, por imposição dos trabalhadores que faziam piquetes. Inclusive, até à uma hora, era decisão deles nem deixar entrar comida. Portanto estavam sujeitos a nem sequer comer. Às tantas, lá deixaram entrar algumas sanduiches, etc. Simplesmente o que se passou é que as pessoas foram avisando para as suas casas que não poderiam ir almoçar, que não poderiam ter os compromissos que tinham combinado. Acontece que um jornalista, Nuno Coutinho, telefonou para casa e contou o que se estava a passar. Acontece que, passados dez minutos, esse jornalista foi chamado para o local onde estavam alguns membros do quadro gráfico e lhe foi dito: 'Se o Senhor torna a dizer isso pelo telefone, veja lá o que é que lhe acontece, porque o senhor disse mentiras, anda a espalhar calúnias sobre o que se passa aqui dentro'.
Isto significa muito claramente que a empregada da administração, que substituiu ontem a telefonista, que estava de folga, escutava as conversas todas. Ora isto são métodos pidescos próprios de um regime fascista que foi abolido em 25 de Abril.»[16]
Raul Rêgo, por sua vez, declarou que «se não fosse a manifestação em frente à República», os jornalistas «teriam sido esmagados pelos gráficos, visto que havia pessoas com barras de chumbo, perfeitamente dispostas a tudo»[17].
Ao entardecer, o PS convocou uma manifestação, em frente à sede do jornal, que se prolongou, em vigília, por toda a noite. Forças militares cercaram o prédio, evitando a invasão pelos manifestantes. Os principais dirigentes socialistas, incluindo o secretário-geral, Mário Soares, estavam na rua, liderando o protesto. O ministro Correia Jesuíno, acompanhado pelo director-geral da informação, chegou, às duas horas da madrugada, para tentar a moderação impossível.
Às seis da madrugada do dia 20, o edifício foi evacuado e os manifestantes saíram, sob protecção militar, de forma a evitar confronto físico. As instalações foram seladas. O República morreu, de facto, nessa madrugada de 20 de Maio. Os episódios burlescos que se seguiram acrescentaram apenas um breve e lamentável posfácio.[18]
O encerramento do República foi apresentado pelo PS - através de uma enérgica campanha, com repercussão interna e externa - como sinónimo do fim do regime de liberdade de Imprensa. Em sinal de protesto, os membros do Governo socialistas suspenderam a participação no Conselho de Ministros, onde regressaram, no entanto, a 6 de Junho, após garantias dadas pelo Conselho da Revolução quanto à devolução do jornal aos seus proprietários.

Um coronel na direcção

O caso República dividiu, claramente, o MFA. O primeiro-ministro Vasco Gonçalves, próximo das posições do PCP, defendia a devolução do jornal aos socialistas. As suas razões eram meramente tácticas: desejavam evitar a abertura de uma nova frente com o PS e receavam a influência que as correntes de extrema-esquerda viessem a adquirir no jornal.
A conduta do ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, situou-se numa linha semelhante à do primeiro-ministro. O lacónico depoimento inserido nas memórias do historiador César de Oliveira, que foi seu assessor no Palácio Foz, reza assim:
«(...) Posso testemunhar que Correia Jesuíno fez esforços, quiçá contrariado por alguns sectores do MFA, sobretudo da Marinha, e do próprio Conselho da Revolução, para encontrar uma saída para mais esta crise, mas que, de facto, não surtiram qualquer efeito.»[19]
A linha Vasco Gonçalves não se limitava a preconizar a reposição da legalidade. procurava uma síntese inexequível: entregar o jornal à Administração socialista, mas obter a garantia da neutralização política do República. É, pelo menos, o que se deduz do testemunho do capitão Diniz de Almeida, que perfilhava ponto de vista idêntico, segundo o qual «Vasco Gonçalves defendendo embora a sua devolução aos anteriores proprietários, propô-lo-á incluindo também uma cláusula através da qual o MFA exercia vigilância sobre a sua actuação, actuando contra os seus proprietários somente em caso de comportamento contra-revolucionário.» [20]
O Conselho da Revolução decidiu-se, a 6 de Junho, por uma solução ambígua: determinou a reabertura do jornal, nos termos legais, mas, simultaneamente, concluiu que a Lei de Imprensa se encontrava desactualizada e recomendou a respectiva revisão.
O COPCON, alinhado pelo ultra-esquerdismo de Otelo Saraiva de Carvalho, não executou as determinações do Conselho da Revolução. Otelo explicou a sua atitude em termos singelos:
«Ao formar o COPCON pretendi dar todo o cariz de um orgão ao serviço do povo português de características profundamente revolucionárias. E, para o cumprimento do programa do MFA, que esse orgão dispusesse de uma dinâmica tal que fosse realmente ao encontro das classes trabalhadoras e das classes mais desfavorecidas. E é nesse sentido que o COPCON tem actuado.
Portanto, um lema porque se rege o COPCON é que, em princípio, os trabalhadores têm sempre razão.
Portanto, ao examinar o caso República a frio, eu via de um lado 152 trabalhadores, tipógrafos, e do outro um grupo minoritário de redactores, directores, administração, etc. Portanto, alguma coisa por aí, ia mal...» [21].
Otelo teve a franqueza de reconhecer - «eu gosto de falar a verdade» - que «o Diário de Notícias, O Século e o Diário de Lisboa estão dominados pelo Partido Comunista». O responsável pelo COPCON dava mesmo a seguinte «garantia»:
«Eu posso é garantir o seguinte: se os trabalhadores do Diário de Notícias, os trabalhadores tipógrafos do Diário de Notícias, resolvessem, a certa altura, considerando que o Diário de Notícias é dominado pelo Partido Comunista, se os trabalhadores tipógrafos vierem à liça em confronto com a administração dizer 'não queremos que o Diário de Notícias seja dominado pelo Partido Comunista, queremos tornar isto um jornal independente'... pois não tenho dúvidas nenhumas que a solução é exactamente aquela que se aplicou no caso República.» [22]
Em consonância com este ponto de vista, o COPCON acabou mesmo por permitir a ocupação das instalações pela Comissão de Trabalhadores e seus adeptos. A 10 de Julho, o República reaparece com uma redacção quase totalmente nova, recrutada nos meios da extrema-esquerda[23]. O director indicado pelo Conselho da Revolução era o Coronel Pereira de Carvalho.
Este «novo» República acelerou o curso dos acontecimentos da revolução, num sentido desfavorável ao poder gonçalvista. Os ministros socialistas demitiram-se, nesse mesmo dia, do Governo. A 16 de Julho, o PPD abandonou, igualmente, o Governo. A 17 de Julho, o PS organizou, na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, uma manifestação grandiosa, em que foi pedida a demissão de Vasco Gonçalves.

A certidão de óbito prematura

Em termos de legalidade, o caso República não suscitou qualquer dúvida digna de registo. Os representantes dos trabalhadores em rebelião afirmaram, num «relatório» divulgado em plena crise, que «apenas desejam participar no produto que fabricam, o que lhes é recusado pela actual Lei de Imprensa, mas perfeitamente de acordo com o momento revolucionário que o País atravessa»[24]. Os próprios autores do «saneamento» colectivo da redacção do República assumiam a ilegalidade do seu comportamento, mas reivindicavam o direito a desrespeitar a lei, em nome da «dinâmica revolucionária».
O caso República repôs em debate a Lei de Imprensa, vigente há menos de três meses. Na famosa noite branca de 19 para 20 de Maio, o ministro Correia Jesuíno, sem pôr em causa «a razão completa» da Administração da empresa, filosofava: «... E que lhe posso eu dizer? Que é possível que a Lei de Imprensa que mal entrou em vigor já está ultrapassada? Sei lá!...»[25].
O ministro apontara o caminho. A dúvida de Sua Excelência não tardaria a alastrar. Alastrou, desde logo ao Conselho da Revolução, o qual embora determinando o cumprimento da lei em vigor, «admite que o texto da Lei de Imprensa esteja inadequado ao contexto da actual fase da Revolução Portuguesa» e «recomenda ao Governo que, através do Ministério da comunicação Social seja, desde já, iniciado o processo de revisão do referido diploma»[26].
Otelo, radical como era, levou mais longe a teoria e disse o que outros não ousaram dizer:
«Em relação à Lei de Imprensa, concordo perfeitamente que ela está extremamente bem estruturada, é uma lei muitíssimo avançada em relação a outros países, concordo perfeitamente com essa opinião que tem sido dispendida pelo comandante Jesuíno, mas é evidente que a lei foi elaborada no ano passado e promulgada em Janeiro deste ano, sofreu um retrocesso muito grande a partir do 11 de Março (sic).
Apesar dela, no entanto, (...) estar em vigor, a verdade é que as leis vigentes num país em revolução só devem ser cumpridas desde que não contrariem a revolução.»[27]
Não estava isolado o responsável máximo pelo COPCON, ao considerar a lei envelhecida e caduca. Um intelectual respeitado na esquerda portuguesa, como era Fernando Piteira Santos, diria que «temos uma Lei de Imprensa pré-histórica», porque fora preparada «antes da nacionalização da Imprensa»[28]. Mas a «velocidade do curso», como dizia Piteira Santos, era tal que até em quadrantes aparentemente imunes a cumplicidades esquerdistas, as formas amplas de participação dos trabalhadores ganhavam inesperados adeptos. Caso, por exemplo, de Marcelo Rebelo de Sousa, dirigente do PPD, jurista e jornalista que, sublinhando embora a clara ilegalidade da situação criada pela Comissão de Trabalhadores e a necessidade de cumprir a lei, lamentava a ausência na legislação vigente de formas que pudessem assegurar a participação na orientação do jornal de trabalhadores não-jornalistas:
«É curioso sublinhar que, não obstante o caso não ser previsto na lei, eu próprio intervim, durante os trabalhos preparatórios, no sentido de ver consagrada na lei, para além do Conselho de Redacção, a instituição de uma comissão mais ampla, que integrasse trabalhadores não-jornalistas, e que partilhasse na própria definição da orientação ideológica do jornal. Infelizmente, essa orientação não vingou, especialmente por oposição frontal dos jornalistas que faziam parte da comissão (...).»[29]
A Lei de Imprensa, no entanto, resistiu às investidas. A certidão de óbito foi permatura.

À procura da terceira via

O caso República submeteu o recém-fundado Conselho de Imprensa à primeira prova de fogo.
A 20 de Maio, deu entrada a queixa subscrita por Gustavo Soromenho e Raul Rêgo, na qualidade de Administradores da Editorial República. Alegavam violação da Lei de Imprensa, designadamente do art.º 1º (direito à liberdade de expressão) do art.º 18º (nomeação do director e director-adjunto) e do art.º 20º, nº 2 (nomeação do chefe de redacção).[30]
O debate sobre a matéria prolongou-se por quatro sessões, efectuadas nos dias 20, 22, 26 e 27 de maio de 1975. As sessões do Conselho de Imprensa sobre o caso República equivalem, reduzidas a escrito, a mais de 160 páginas de actas.
Ao longo das reuniões foram ouvidos elementos da Administração (Gustavo Soromenho), Direcção (Raul Rêgo) e Conselho de redacção (Jardim Gonçalves, Helena Marques, Rocha Vieira e Jaime Gama) do jornal República.
Não foi possível recolher o testemunho da outra parte envolvida, porque a Comissão Coordenadora de trabalhadores se recusou a depôr na presença de dois membros do CI que também eram jornalistas do República [31]. Com efeito, João Gomes, chefe da redacção, era representante (eleito) do Sindicato dos Jornalistas, e Alberto Arons de Carvalho, redactor, desempenhava a função de delegado do PS no Conselho.[32]
A 26 de Maio, a Comissão Coordenadora de Trabalhadores apresentou uma exposição ao Conselho[33]. Nesse texto preconizava «a revogação da Lei de Imprensa» no sentido da sua «adequação ao processo revolucionário em curso, consagrando o controlo de produção por parte dos trabalhadores.»
A Comissão considerava, por outro lado, que «a nomeação de Álvaro Belo Marques não foi feita com violação do artº 18º», pois «o administrador em exercício não se opôs à demissão do dr. Raul Rêgo, tendo-se limitado a dizer que, por amizade, também sairia», o que levaria a concluir que «a demissão do dr. Raul Rêgo tem de ser considerada como feita pela empresa proprietária, através do acordo do seu administrador delegado.»
Nos termos dessa exposição, o administrador delegado teria interpretado correctamente os factos ao «considerar que, ao fim e ao cabo, é um vulgaríssimo caso de saneamento admitido na doutrina e na prática da nossa revolução após o 11 de Março (sic)».
Por fim, a Comissão «proclama que é ela (sic) que cumpriu a Lei de Imprensa, interpretada no actual contexto revolucionário, e que é ela, e só ela, (sic) que pretende libertar o jornal República do usurpador Partido Socialista para o seu verdadeiro dono: o Povo Português.»
A inexistência de uma prática anterior do Conselho, que concluíra a aprovação do seu regulamento interno, precisamente, a 20 de Maio, ajuda a explicar que as questões prévias de natureza formal, embora, por vezes, com significado político, tenham ocupado muito tempo nessas reuniões.
Desde logo a circunstância, já referida, de João Gomes e Arons de Carvalho, jornalistas do República, serem membros do Conselho originou acesa controvérsia sobre a legitimidade da sua participação no debate e nas votações.[34]
Armando da Silva Carvalho, representante do PCP, levantou a questão da «independência e objectividade do Conselho» por dois dos seus elementos serem «parte interessada no litígio»[35], tendo João Gomes retorquido que «parte dos trabalhadores que estão envolvidos com mais responsabilidade neste caso podem ser e são considerados por determinadas partes como membros do Partido Comunista ou doutros partidos», pelo que seria de perguntar se, por este facto, «o representante do Partido Comunista deveria tomar parte nos debates do caso.»[36]
Silva Costa e Pinto Balsemão defenderam uma posição intermédia, entendendo que essas pessoas poderiam participar na discussão, mas não deveriam votar [37]. Lurdes Pintasilgo opôs-se, firmemente, a estas atitudes, argumentando que «não conhece nenhum grupo democraticamente constituído que se autocastre com propostas do tipo das que estão na mesa.»[38]
Acabou por fazer vencimento a posição - defendida por Adriano Lucas - segundo a qual «todos os membros do CI têm o direito de participar na discussão de qualquer queixa apresentada e votar as respectivas conclusões.»[39]
Esta questão prévia prenunciava o clima kafkiano em que se processou o debate.
Diversos membros do CI guardaram prudente silêncio sobre as questões de fundo, limitando-se a intervir a propósito de divergências formais ou reservando-se para o momento das votações — caso, por exemplo, entre todos elucidativo, de Armando da Silva Carvalho, representante do PCP.
Apesar disso, é possível distinguir as principais tendências que se revelaram ao longo do debate.
Uma delas, minoritária, caracterizava-se pela solidariedade com a direcção e a redacção do República. Era protagonizada por Maria Antónia Palla, que considerou ter-se ultrapassado, «de forma inaceitável, um documento legal que deve ser acatado, sob pena de se cair num período que seria anárquico, mas sem a criatividade da anarquia.»[40]. Esta posição teve o apoio explícito de Norberto Lopes e, naturalmente, dos jornalistas do República membros do CI, João Gomes e Arons de Carvalho.
Nunca se afirmou claramente, a avaliar pelas actas, uma tendência apoiante da Comissão Coordenadora de Trabalhadores do República, embora se possa deduzir, lendo nas entrelinhas, que essa omissão se ficou a dever a razões meramente tácticas.
A maior parte dos membros do CI manifestou-se favorável a uma terceira via, que teve os seus protagonistas mais qualificados em Carlos Veiga Pereira, Manuel da Silva Costa e Maria de Lurdes Pintasilgo. Veiga Pereira enunciou, com louvável clareza, a metodologia proposta por esta corrente:
«Entende que o CI se rege pela Lei de Imprensa que está desajustada, em certos aspectos, à realidade que se vive.
Portanto, o problema que se põe é se o Conselho se vai restringir à lei na orientação a tomar em relação ao caso, ou se, em face do desajustamento com a realidade, se vão admitir outras hipóteses.[41]
Silva Costa contestava certas disposições da Lei de Imprensa e defendia «a necessidade de assegurar ao conjunto dos trabalhadores dos orgãos de informação a participação na gestão ideológica do jornal»[42], embora ressalvando o imperativo de cumprir as leis em vigor.
A análise de Maria de Lurdes Pintasilgo situa-se em parâmetros análogos aos de Veiga Pereira e Silva Costa:
«Em face da lei, o que aconteceu no República é de facto ilegal.
Põe em causa a própria lei, pelo facto de saber se de facto ela será compatível com o estudo sociológico da sociedade portuguesa.
Assim sendo, remete o problema para os orgãos do poder, que serão os únicos que poderão fazer uma leitura deste fenómeno sociológico.
Considera que no caso das empresas jornalísticas a opinião pública é o elemento primordial, pelo que se considera neste caso que ela é que deveria ser o árbitro da questão, afirmando o que quer.»[43]
Nessa intervenção, Lurdes Pintasilgo clarificou o seu conceito de liberdade de Imprensa (distinguindo liberdade e liberdades, de forma, em nosso entender, equívoca):
«Parece-lhe que é fundamental que o Conselho de Imprensa ao salvaguardar a liberdade de imprensa, não esteja a defender uma liberdade de imprensa qualquer. Ele deve defender o exercício de liberdades sociais colectivas que traduzam um modo de ser sócio-cultural de um povo.
Ora reconhece precisamente no jornal República a expressão de uma liberdade, democrática, social, colectiva e não as pequenas liberdades individuais de cada um dizer tudo aquilo que lhe passa pela cabeça.»[44]
Para Lurdes Pintasilgo verificaram-se, no caso República, «dois tipos de violação da Lei de Imprensa»:
«Por um lado a capacidade da nomeação do Director pela Administração ouvido o Conselho de Redacção, mas por outro lado a responsabilidade que cabe à Administração e à Direcção, ouvido o Conselho de Redacção, perante qualquer publicação periódica informativa, definir a orientação e os objectivos dessa publicação (artº 3º, nº.4, artº 19º, artº 22º b)).
Julga que a imparcialidade do Conselho seria prejudicada se se atendesse apenas ao primeiro aspecto pois o segundo é igualmente grave. Pensa mesmo que grande parte do problema nascido no República e sobretudo o problema da nacionalização da Banca e consequentemente a mudança por natureza dos jornais portugueses, levam a uma enorme importância a definição do estatuto editorial e será subestimar gravemente esta importância se for considerada apenas a questão da nomeação do Director».[45]
O saneamento do director e a não publicação do Estatuto Editorial surgem, na argumentação de Lurdes Pintasilgo, colocados lado a lado, como se de factos com gravidade análoga se tratasse...

A sentença salomónica

A questão do Estatuto Editorial acabou por assumir grande relevância no debate.
A Lei de Imprensa prevê que as publicações informativas tornem público o respectivo Estatuto Editorial, que «definirá a sua orientação e objectivos comprometendo-se a respeitar os princípios deontológicos da imprensa e a ética profissional, de modo a não poderem prosseguir apenas fins comerciais, nem abusar da boa-fé dos leitores, encobrindo ou deturpando a informação»(artº 3º, nº4).
Em Maio de 1975, quando se agravou o conflito, o República ainda não publicara o Estatuto Editorial, previsto pela Lei de Imprensa, que tinha entrado em vigor a 13 de Março. O chefe de redacção, João Gomes, disse ao CI que o estatuto se encontrava em preparação. Raul Rêgo apresentou o texto do projecto, que fora lido aos trabalhadores, na presença do ministro da Comunicação Social, durante a madrugada de 19 para 20 de Maio.41
O projecto de Estatuto era do seguinte teor:
«Em obediência ao disposto no artigo 3º do Dec.-Lei 85 de 26 de Fevereiro de 1975 - Lei de Imprensa, a República declara continuar fiel ao espírito democrático que inspirou os seus fundadores e que sempre o tem norteado.
Jornal de informação que não se desprende da vida política portuguesa e internacional, o que lhe valeu no passado as mais duras perseguições, mas tem por norma a maior objectividade em todo o seu noticiário, na certeza de que a informação correcta em nada pode prejudicar os defensores da democracia.
Politicamente, a República não é orgão de qualquer partido político. Faz a sua opção no sentido do socialismo em liberdade, pluralista, que julga ser o melhor meio para conseguir a verdadeira democracia. Deve procurar sempre lutar pela unidade de todas as forças progressistas e anti-fascistas, sabendo que a divisão tem sido o mais poderoso meio para o domínio da reacção e para o totalitarismo e a forma do capitalismo impor as suas normas.
No momento presente a República manifesta a sua adesão à evolução proposta ao País pelo M.F.A. Não esquece a sua contribuição para a formação da mentalidade que levou à revolta do 25 de Abril, consequentemente a sua acção de catalização de oficiais e civis que o tornaram possível.
Hoje, sem abdicar da sua independência, dá todo o seu apoio aos esforços empreendidos por aquele movimento, no sentido de uma vida socialista mais conveniente à maneira de ser e ao sentir portugueses.
A direcção da República é exercida pelo director e director-adjunto, nomeados, nos termos da Lei de Imprensa, pelo Conselho de Administração ouvido o Conselho de Redacção. Coadjuvados, ainda nos termos desse mesmo diploma legal, pelo mesmo Conselho de Redacção.
A República não tem, nem nunca teve por fim obter quaisquer lucros, sendo o seu objectivo contribuir para os progressos da sociedade portuguesa, por uma via democrática, socialista e pluralista.»

Silva Costa admitiu que o projecto de Estatuto correspondia «a uma linha tradicional da República», mas entendia que a fiscalização do respeito pelo Estatuto Editorial deveria competir ao conjunto dos trabalhadores da empresa jornalística:
«Quando se fala do respeito pela boa-fé dos leitores tem de ter-se em conta que os leitores no seu conjunto não reagem à manipulação das notícias. Ora, neste sentido, seria útil uma aliança pactual de todos os trabalhadores do jornal para fazerem a já citada fiscalização» 42.
Raul Rêgo discordará dessa ideia, alegando, por um lado, que se «duzentos trabalhadores de todas as tendências políticas vão ter interferência na feitura do jornal, então só se faz um jornal por ano» e, por outro lado, que «os leitores reagem não comprando o jornal».43
Maria Antónia Palla foi mais longe, considerando ser impossível que os trabalhadores do jornal façam o seu «controle ideológico» senão «através de uma censura» - «isto porque um indivíduo que não produz determinado trabalho não pode interferir nele; acha portanto, que um controlo só pode ser institucionalizado pela prática, pelo hábito, pelas regras da profissão».44
«A aliança pactual de todos os trabalhadores do jornal» com vista à fiscalização do cumprimento do Estatuto Editorial, preconizada por Silva Costa, não era contemplada na Lei de Imprensa em vigor. Isso mesmo sublinhou Gustavo Soromenho, chamando a atenção para a forma como a legislação portuguesa acolheu o instituto consagrado no Direito do Trabalho francês, desde os anos 30, sob a designação de «cláusula de consciência».
Com efeito, nos termos do artº 23º da Lei de Imprensa, em caso de alteração profunda de orientação do jornal, reconhecida pelo CI, os jornalistas podem rescindir o contrato com a empresa, tendo direito a receber indemnização idêntica à prevista em caso de despedimento sem justa causa. Gustavo Soromenho retirou daí a seguinte conclusão: «A Lei fala em jornalistas e nunca em trabalhadores, excluindo estes da orientação ideológica».[46]
Não era esse, porém, o ponto de vista da Comissão Coordenadora de Trabalhadores, a qual, segundo o testemunho de Jardim Gonçalves, pretendia «acompanhar cada número do jornal, para fazer a sua crítica e para dizer à direcção e à redacção aquilo em que não estavam de acordo».[47]
Maria Adelaide Paiva disse, na mesma perspectiva de Gustavo Soromenho, que «está sendo transposto para o problema da falta de Estatutos, em parte, a justificação da reacção por parte dos trabalhadores. Ora, mesmo que os Estatutos estivessem publicados só vê que perante a lei, apenas assiste aos jornalistas o direito de reclamar e nunca aos outros trabalhadores».[48]
O relevo concedido à questão do Estatuto Editorial afigurava-se, neste contexto, excessivo, até porque - como observou Adriano Lucas, durante o debate - «... o Estatuto é a súmula da orientação do jornal (...), portanto se o Conselho conhecesse efectivamente qual era a orientação do jornal República conhecia necessariamente o seu Estatuto.»[49]
Acresce que o Conselho sabia qual a linha tradicional do República e tanto assim era que, posteriormente, manifestou a sua concordância à aplicação da «cláusula de consciência» aos jornalistas do República, reconhecendo, nestes termos a mudança de orientação:
«O jornal República publicado sob a direcção do Dr. Raul Rêgo tinha uma orientação próxima da do Partido Socialista.
Isto resulta da análise global do conteúdo do jornal, da própria filiação partidária de alguns dos responsáveis e colaboradores e implicitamente do que se referiu perante este Conselho quando da audição dos Drs. Gustavo Soromenho, Raul Rêgo e outros.
Reiniciada a publicação do jornal em 10 de Julho sob a direcção do coronel Pereira de Carvalho, analisando o seu conteúdo vê-se que houve uma posição crítica em relação ao Partido Socialista com uma mudança geral de tom e alteração na sua linha de orientação que se pode caracterizar de profunda, justificando-se que os jornalistas signatários do requerimento apresentado extingam a relação de trabalho ao abrigo do nº1 do artº 23º da Lei de Imprensa.»[50]
A inexistência do Estatuto Editorial não impediu, pois, o Conselho de Imprensa de verificar a alteração da linha de orientação.
A «decisão sobre o caso do jornal República», aprovada pelo Conselho de Imprensa a 27 de Maio, traduziu o compromisso interno possível, com a preponderância, já evidenciada ao longo das reuniões, da tendência que designamos por «terceira via».[51]
O Conselho considerou «ter havido violação da Lei de Imprensa vigente», «ao serem destituídos pela Comissão Coordenadora de Trabalhadores o Director e Director-Adjunto do República (...)»; «ao ser destituída a Chefia de Redacção pela mesma Comissão de Trabalhadores (...)»; «ao ter sido publicado um número do jornal República com a menção do Sr. Álvaro Belo Marques como Director interino (...)». Mas o comunicado retirava com uma mão o que havia concedido com a outra, ao avalizar a crítica «à insuficiência da Lei perante a evolução do processo revolucionário, particularmente no que se refere à participação do conjunto dos trabalhadores da Empresa jornalística, na definição e aplicação do Estatuto Editorial dos periódicos, sem prejuízo de salvaguarda do direito do povo à liberdade de informação e da especificidade da função dos jornalistas na garantia desse direito.»
O Conselho emitiu, ainda, a opinião de que «a análise de outras violações da Lei de Imprensa está prejudicada pelo facto de a República não ter ainda adoptado publicamente o Estatuto Editorial.»
Será excessivo comentar que o Conselho de Imprensa se ateve ao mais escrupuloso legalismo, quando se esquivou a condenar os actos da Comissão de Trabalhadores, mas adoptou o anti-legalismo revolucionário quando esteve em causa proteger as suas reivindicações de controle operário do conteúdo dos jornais?
Talvez não seja.
Desde logo, porque o comunicado do C.I. nem sequer tenta responder à questão essencial. Não cura de averiguar se houve ou não houve um assalto ao República, com o objectivo de o submeter ao revolucionarismo monocórdico que caracterizava a maior parte da imprensa da época.[52]
A questão do monolitismo, que tendia a instalar-se na Comunicação Social portuguesa, como o próprio Conselho de Imprensa veio a reconhecer, no seu relatório sobre os anos 1974 e 1975, nem sequer aflora nesta decisão sobre o caso República.
Tão pouco transparece qualquer assomo de indignação perante a circunstância de toda uma equipa jornalística ter sido boicotada, censurada, sequestrada no local de trabalho e,finalmente, impedida de elaborar o seu jornal.
O problema político foi, artificialmente, escamoteado.
Se reflectirmos sobre a sua composição - instituições nele representadas e formas de designação dos seus membros - , temos de reconhecer que o Conselho traduziu, de forma moderada, o ambiente circundante. Não ficou imune, nem seria provável que ficasse, à contestação da Lei de Imprensa, nem escapou ao fascínio discreto do controle basista da orientação dos jornais, que contagiou áreas insuspeitas de simpatias comunistas e atingiu personalidades de duvidosa vocação obreirista.
«Sentença» salomónica? Sem dúvida. Por detrás do Conselho de Imprensa, perfilava-se - como diria François Mitterrand - o Rei Salomão que dava pelo nome opaco de MFA.

Tipógrafos contra jornalistas

Na vasta polémica, nacional e internacional, sobre o caso República assumiu particular relevo a questão de saber a quem compete definir a orientação dos jornais. A Lei de Imprensa já retirara ao Director o exclusivo dessa competência, consagrando o direito de participação dos jornalistas através de pareceres a emitir pelo Conselho de Redacção. As correntes de esquerda e extrema-esquerda portuguesa, conforme ficou patente no debate do Conselho de Imprensa, querem mais: a participação, se não mesmo a preponderância, dos trabalhadores não jornalistas. A adopção desse critério confere, na prática, o poder decisório ao sector gráfico, não só por ser, geralmente, maioritário, mas também pela sua permeabilidade ao activismo político.
Na sua formulação mais crua e primária, o problema enunciava-se do seguinte modo: «os redactores, como intelectuais, pertencem à pequena burguesia, os tipógrafos pertencem ao proletariado, logo os segundos têm o direito, mesmo o dever de controlar os primeiros».[53] Tratava-se, de algum modo, de uma extensão da ideia de «controlo operário» que, no caso da empresa jornalística, se alargava da gestão económica à orientação dos Meios de Comunicação Social. Para a esquerda marxista o problema consistia, afinal, em determinar se os «inimigos da Revolução» deveriam ou não ter direito à palavra; se assistia às Comissões de Trabalhadores o direito de converterem o «controle de gestão» em «censura dos tipógrafos».
Apesar do silêncio acrítico da quase totalidade da imprensa diária portuguesa, não tardaram a surgir, entre os próprios intelectuais de esquerda, enérgicas contestações desta teoria maximalista. Fernando Piteira Santos, por exemplo, que defendia a existência de um «Conselho de Redacção mais amplo», que conferisse «uma certa dimensão participativa» dos «vários componentes do processo de produção do jornal», considerava absurda a possibilidade de os trabalhadores gráficos se recusarem a compôr ou imprimir determinado texto, pois estariam, então, a «fazer censura» e a «agredir política ou ideologicamente outra classe sócio-profissional». Piteira Santos acrescentava: «...Eu penso, por exemplo, no que pode suceder ao general Vasco Gonçalves ou ao general Otelo Saraiva de Carvalho ou ao almirante Rosa Coutinho no dia em que escreverem um texto qualquer manuscrito e a dactilógrafa disser que não está de acordo».[54]
Contrastando com o silêncio cúmplice da generalidade da imprensa diária - exceptuava-se o recém-criado Jornal Novo - diversos escritores manifestaram repúdio pela nova forma de censura. Entre os textos publicados, nessa época, retivemos o testemunho, de muita qualidade e sábia ironia, de Augusto Abelaira:
«Grande parte dos trabalhadores de uma dada empresa jornalística estão nessa empresa apenas porque não estão noutra... Quero dizer com esta banalidade: esses homens poderiam trabalhar numa fábrica de rádios se o mercado de emprego os tivesse levado para a fábrica de rádios em vez de os ter encaminhado para a empresa jornalística. Donde a pergunta: por que razão só os que trabalham numa empresa jornalística é que hão-de exercer controlo sobre o jornal e não também os outros que só estão numa fábrica de rádios...porque sim? Não estaremos a pedir para tais trabalhadores um privilégio inadmissível como aquele que têm tido até hoje os jornalistas? O direito de exercer um tal controlo provirá apenas do local ocasional onde se trabalha? E então proponho que todos os trabalhadores que poderiam estar em empresas jornalísticas (e que só por acaso não estão lá!) tenham voto ácerca do conteúdo dos jornais.
Permita-se-me que vá um pouco mais longe, já que o meu propósito é a abolição de todos os privilégios: um jornal não é somente o resultado do trabalho daqueles que estão na empresa em que ele é escrito, composto, impresso, distribuído. Por exemplo: o jornal utiliza papel. E então? Porque desprivilegiar os trabalhadores do papel? Por que razão deverão eles ser impedidos de exercer também o seu controlo sobre os jornais? E as tintas - não há jornais sem tintas. Excluiremos os fabricantes de tintas? Não penso, aliás, que possamos ficar por aqui: não há papel sem árvores. E se não vou ao ponto de exigir também que as árvores se manifestem, lembro que tratar delas, abatê-las depois e não sei o que mais é fundamental para esse produto que é o jornal. Que argumento vicioso utilizaríamos para afastar esses homens? O da distância a que trabalham? E já que não há papel na empresa jornalística se ele não for lá levado...Não me refiro apenas aos camionistas (por exemplo), estou a pensar nas estradas e em quem as constrói. Porque excluir esses homens que são fundamentais para que possa haver um jornal? E quem diz papel diz água, quem diz água diz canalizações...Bom. Afastaremos todos esses trabalhadores do controlo dos jornais?
Pára aqui a cadeia que nos levaria aos bancários, aos empregados de seguros, que nos levaria a toda a parte. Aos leitores, por exemplo, que em Portugal são virtualmente 8 milhões de pessoas (descontem lá as crianças e os analfabetos, se quiserem). Sim, admitiremos que os 8 milhões de leitores, afinal os principais interessados, não controlem o conteúdo do jornal?
E tudo isto, à pressa ataviado, para concluir sem ironia: Será talvez absurdo privilegiar as redacções jornalísticas, mas não menos do que estender esse privilégio áqueles que, por obra do destino mais ou menos cego, trabalham num mesmo edifício».[55]
Este debate sobre a organização da empresa jornalística causou natural surpresa na Europa Ocidental, onde, nas áreas conservadoras, a própria fórmula de participação dos jornalistas na orientação dos jornais já era considerada avançada, se não mesmo suspeita de atentar contra a liberdade de imprensa.[56] Mas os próprios meios de esquerda se dividiram e expressaram o seu desagrado. Os comunistas italianos, por exemplo, manifestaram discordância pela conduta do «partido irmão» português, através de declarações de Giancarlo Pajetta, secretário do Comité Central: «Temos o direito de nos perguntarmos, nós os comunistas, se estamos dispostos a aceitar que tipógrafos decidam quem há-de ser director de um jornal».[57]
Na extrema-esquerda, as divergências não foram menores. Os grupos maoístas e trotskistas dividiram-se, em Portugal e por todo o mundo, a propósito do caso República. Houve até uma corrente trotskista que reeditou, em defesa da redacção do República, um texto esquecido de Trotsky, escrito no México, em 1938, sob o título «A Liberdade de Imprensa e a Classe Operária»:
«...Só os cegos e os fracos de espírito podem imaginar que proibir a imprensa reaccionária permitiria que os trabalhadores e os camponeses se libertassem da influência das ideias reaccionárias».[58]
Seria, no entanto, pura ingenuidade supôr que a problemática da organização interna da empresa jornalística e da correlação do triângulo jornalistas-tipógrafos-administradores constituiu a motivação central do . Os antagonismos sociais e classistas, mormente entre tipógrafos e jornalistas, estiveram presentes no caso República, mas é impossível reduzi-lo, como fez o secretário-geral da CGT francesa, a um mero «conflito social»[59]. Os propósitos eram visivelmente políticos. Todos os argumentos serviam desde que permitissem alcançar o objectivo desejado: silenciar vozes incómodas, rotuladas de contra-revolucionárias.

«O pequeno problema agigantado»

Nem uma linha é consagrada ao caso República no relatório de Álvaro Cunhal ao VIII Congresso, que se reporta aos acontecimentos desse período.[60]
Desde o primeiro momento, o PCP procurou calar-se, enquanto se queixava de que os outros falavam. Para Cunhal, o caso República era «um pequeno problema que foi agigantado», um «incidente como o ocorrido no Jornal do Comércio ou na Rádio Renascença».[61]
Numa célebre entrevista concedida a Oriana Fallaci, Cunhal teria sido mais franco a propósito do caso República:
«A Imprensa em Portugal é completamente livre, ideologicamente autodeterminada. Acompanha o processo revolucionário, o que me parece muito bem. Evidentemente, se os operários considerarem que um director ou uma redacção são contra-revolucionários, têm todo o direito de impedir que essas entidades continuem a ocupar tais postos. Têm até mesmo o dever espiritual e político de o fazerem. Em qualquer lado do país, os operários podem expulsar o director. Foi o que sucedeu no caso República. Os socialistas comportaram-se de uma forma histérica, provocaram um escândalo com o fim de lembrarem que tinham ganho as eleições. Na realidade, os operários revoltaram-se porque a República mais não fazia que publicar ataques contra o Partido Comunista, calúnias contra o Partido, críticas à revolução. Os operários começaram por censurar os textos que lhes pareceram injustos e seguidamente revoltaram-se. E fizeram muito bem».[62]
Convém referir, no entanto, que a autenticidade das declarações reproduzidas pela jornalista italiana foi, na altura, posta em causa pelo PCP. E, por outro lado, na historiografia oficiosa dos comunistas e dos seus compagnons de route, o «caso República», transformado em mera nota de rodapé, é apresentado como «desvio esquerdista» utilizado pelo PS e pela direita para atacar o poder revolucionário. Atente-se por exemplo, na versão do jornalista João Paulo Guerra:
«Coincidindo com os ataques do PS e da direita os esquerdistas desenvolvem acções que dão pretexto a esses ataques. Os casos República e Rádio Renascença dão pretextos para uma intensa campanha a nível nacional e internacional contra a Revolução portuguesa».[63]
No Conselho de Imprensa, em plena crise, o representante do PCP, Armando da Silva Carvalho, travou um elucidativo diálogo com o administrador do República, Gustavo Soromenho, e o director, Raul Rêgo:
SILVA CARVALHO - Como representante do Partido Comunista Português, e em face das acusações que têm sido feitas de o seu partido estar por trás de todas estas manobras que têm sido feitas na República, pergunta à administração do jornal se está de facto convencida que este partido é mentor ou está por trás das aludidas manobras.
GUSTAVO SOROMENHO - Afirma que já havia respondido a essa pergunta. Concretiza dizendo que da Comissão Coordenadora de Trabalhadores fazem parte pessoas que sabe serem comunistas; há outras que não sabe se são ou não. Há portanto pessoas de diversas características políticas nessa Comissão e não lhe parece que o Partido Comunista tenha maioria na Comissão. Conclui, ainda, que não lhe parece que o Partido Comunista tenha tido influência no desenrolar dos acontecimentos. O que não quer dizer que haja pessoas desse partido que estejam de boas relações com outros e que estejam contra a direcção e a administração. Agora se alguma está por detrás das manobras, não sabe.
RAUL RÊGO - Acrescenta que, no entanto, o que suscita mais irritações, mais reflexões e mais ataques é quando alguma notícia do Partido Comunista é passada a segundo plano. A propósito considera a injustiça da carta, publicada no Século, da autoria do Eduardo Valente da Fonseca, acusando a falta de relevo dada à morte de Pedro Soares, quando saíram notícias sobre ela durante quatro dias, com fotografias na primeira página.
SILVA CARVALHO - Pergunta se toda a questão da República não se poderia compreender como um conflito laboral, visto que são intervenientes a administração e os trabalhadores.
GUSTAVO SOROMENHO - Responde que sendo o administrador da República, lhe foi pedido pelos trabalhadores para ficar no jornal. E de facto o problema é político porque se exige a saída do director e do director-adjunto invocando que eles fazem o jogo do Partido Socialista».[64]
Certos depoimentos de militares gonçalvistas procuram ilibar o PCP. O coronel Varela Gomes, então responsável pela V Divisão do EMGFA, apresenta a caricatura mais exagerada:
«A operação República foi a primeira manobra de envergadura lançada pelo PS a partir da conquista da dominância eleitoral/partidária. Não resta hoje em dia a menor dúvida, sobre a natureza e os objectivos contra-revolucionários dessa operação. Montagem artificiosa, provocação sustentada pela administração socialista do jornal e alguns serventuários da redacção. Foi comandada, desde o primeiro ao último minuto, por intermédio das cúpulas partidárias do PS e do MRPP. Por detrás dessa fachada (socialista) estavam os especialistas da desestabilização.»[65]
O testemunho do então Presidente da República, general Costa Gomes, é mais moderado, embora se oriente no sentido de responsabilizar a administração do jornal e de reduzir o conflito a mero «pretexto» para efeitos externos:
«Os casos República e Renascença foram dois casos tristes numa Revolução em que a autoridade efectiva dos orgãos de soberania foi, por vezes, bastante precária. Logo que surgiu o conflito República, tanto o ministro da Comunicação Social como, posteriormente, o comandante do COPCON pretenderam resolvê-lo. Talvez, no entanto, a solução encontrada pelo major Arlindo, do COPCON, não tenha sido muito feliz, ainda que - não podemos também deixar de o dizer - a administração não lhe tenha dado qualquer colaboração válida. Infelizmente, no entanto, foi demasiado sobreexplorado, tanto no campo, interno, como sobretudo, internacionalmente: o capitalismo internacional arvorou-se em bandeira de liberdade, servindo de excelente pretexto para nos atacar».[66]
A tendência para desculpabilizar o PCP encontrou eco, não só entre os propagandistas do «gonçalvismo», mas em certa imprensa europeia de qualidade e prestígio. Em França, o tema assumiu excepcional relevância, porque a experiência portuguesa influenciava, de perto, o debate acerca da «unidade» entre socialistas e comunistas, que se encontrava na ordem do dia.
A teoria dos jornalistas e correspondentes de Le Monde atribuía influência predominante à extrema-esquerda na movimentação dos trabalhadores e acusava o PS de «partidarização» do jornal.
José Rebelo, então correspondente em Lisboa do jornal fundado por Beuve-Méry, numa entrevista concedida por altura do conflito, afirmou:
«Parece-me ser extraordinariamente simplista, é o menos que se pode dizer, atribuir ao PCP uma influência fundamental e decisiva na luta que se desencadeou no jornal.
O problema é muito mais complexo. Isto é mais uma reacção a um jornal que tinha sempre assumido uma atitude e que depois, por várias circunstâncias, se tornou o porta-voz de um único partido.
Isto gerou uma reacção dentro do jornal. No entanto, quero ressaltar que o PS não protestou pelo que estava a acontecer no jornal, mas sim porque pensava que a sua influência estava em jogo».[67]
Dominique Pouchin, enviado especial a Portugal, sustentou, numa entrevista com Mário Soares:
«Pode-se defender uma tese diferente: o conflito, iniciado por operários hostis à orientação julgada muito 'partidária' do República, surpreendeu a direcção do PCP. Subestimando a amplitude que o caso podia tomar - e cometendo aí um grave erro de apreciação - a direcção do PCP reagiu de forma muito 'clássica' para quem conhece os reflexos tradicionais dos comunistas quando uma 'luta' começa sem eles: tentaram recuperá-la. Numa segunda fase, muito breve, o PCP coloca-se então na primeira linha. Não lhe foi preciso muito tempo para perceber todos os perigos da nova posição e, compreendendo que a história do República lhe iria trazer mais prejuízos que vantagens, recuou. Sem no entanto chegar nunca ao ponto de condenar a 'operação', pois sabe perfeitamente que uma 'base radical', agrupada ao redor da Comissão de Trabalhadores, e abrangendo por vezes as suas próprias tropas, é sensível aos argumentos da extrema-esquerda revolucionária, muito em evidência no desenrolar do conflito».[68]
Soares comentou, nos seguintes termos, a interpretação do jornalista francês:
«A análise contém mais de um elemento justo e aborda, no fim de contas, a questão essencial da aliança contranatura entre o Partido Comunista e os esquerdistas, que será, com efeito, a partir do caso República, uma constante da política portuguesa. Mas as premissas estão erradas: convenço-me que o PCP foi o instigador número um dessa 'pseudoluta'. Com efeito, eles nunca digeriram bem a tomada de posição maioritária dos socialistas na empresa quando Carvalhão Duarte abandonou o República. Desde essa época, Cunhal e os seus amigos nunca mais renunciaram a sabotar o utensílio que eles não puderam dominar e que permitiu à corrente democrática e socialista manifestar todo o seu vigor sob o fascismo.
Julgaram possível reeditar no República aquilo que tinham feito no Diário de Notícias. Pensaram que nós iríamos protestar, mas nunca imaginaram que estávamos decididos a bater-nos até ao último cartucho pelo que considerávamos ser a nossa liberdade e a de todo o Povo Português. Os comunistas tinham um plano, elaborado e aprovado ao mais alto nível, para nos amordaçar e destruir. Acerca disso não pode haver dúvida alguma. O primeiro director nomeado para o República pela Comissão de Trabalhadores foi Álvaro Belo Marques, de quem toda a gente conhece as simpatias comunistas. É sintomático».[69]

A estratégia da neutralização

Que concluir, perante tanta versão contraditória, àcerca do grau de envolvimento do PCP no caso República?
André Fontaine, ao procurar interpretar o conflito, na perspectiva da história da détante na Europa, preferiu enunciar a dúvida do que tomar posição:
«Mário Soares ficou sempre convencido de que o PCP foi o instigador do conflito, embora, segundo outra interpretação, a extrema-esquerda é que tenha montado a operação, não tendo os comunistas querido condená-la com receio de se deixarem ultrapassar pela esquerda».[70]
A prudência de Fontaine tem razão de ser. As versões contraditórias abundam. Os documentos e declarações do PCP escasseiam. No entanto, os dados de que dispomos permitem-nos ir mais longe que o jornalista francês, mesmo com a ressalva de que possam ter-se manifestado divergências no interior do partido de Cunhal. Em todo o caso, a vida interna dos partidos comunistas é um mistério insondável que não deve inibir-nos de interpretar os seus actos[71].
No caso República, o PCP não conseguiu impôr o triunfo da sua estratégia, mas tão pouco se confinou ao angélico papel de vítima da extrema-esquerda, como pretendeu fazer crer para minimizar os efeitos negativos no plano interno e externo.
Nas suas linhas gerais, o PCP seguiu uma estratégia negativa, que pretendia a neutralização do República. Nisso se distinguia da extrema-esquerda, que visava o imediato controlo do jornal. Menos ambiciosa, tacticamente prudente, a corrente gonçalvista contentava-se, ao menos na primeira fase, com o silenciamento.
Numa altura em que a maior parte da Imprensa portuguesa - com raras excepções como o Expresso e Jornal Novo (recém-criado), O Comércio do Porto e poucas mais - se encontrava controlada pelo PCP e aliados ou, pelo menos, neutralizada na sua perspectiva, o que significava que não se atrevia a criticar o governo de Vasco Gonçalves, o República era uma incómoda excepção. A poucos dias da abertura da Assembleia Constituinte, que seria hostilizada, de forma sistemática pela imprensa gonçalvista e da extrema-esquerda, não era indiferente ao PCP a linha crítica adoptada pelo jornal de Raul Rêgo. Em declarações proferidas na época, Salgado Zenha correlacionou os dois acontecimentos: «A tentativa de calar o República tem como objectivo calar a própria Assembleia Constituinte». [72]
Jornalista, socialista, protagonista da crise, Álvaro Guerra disse, numa entrevista datada de 1984, que não há «muitos mistérios acerca do caso República»:
«DN - Foi um golpe do Partido Comunista ou um golpe de extrema-esquerda?
AG - Penso que foi as duas coisas. O Partido Comunista, nessa altura, em certos casos era o motor e noutros andava a reboque. Mas eu penso que teve um papel importante. Se o Partido Comunista não quisesse destruir o República, o República não teria sido destruído. É a minha profunda convicção.»[73]
Dominique Pouchin, num texto igualmente publicado em 1984[74], reexaminou o «caso República» numa perspectiva diversa daquela que possuía na altura em que o relatou e comentou em Le Monde[75]. Acerca do conflito no República, Pouchin escreve nomeadamente:
«(...)Na primavera de 1975, a tomada do velho jornal republicano (e não «socialista») por uma comissão de trabalhadores, vagamente mao-populista, representa uma autêntica viragem no processo, como se dizia então. Essa viragem revelava, através do silêncio cúmplice do PCP, a pouco importância que Cunhal julgava poder atribuir a uma liberdade essencial...»[76].
O PCP ponderava os riscos de uma tentativa directa de apropriação do jornal, mas não recuava quanto ao objectivo de silenciar uma voz crítica. A saída dos jornalistas comunistas do República, antes da fase aguda do conflito, corresponde às duas preocupações: desvincular o PCP, em termos de opinião pública, de qualquer propósito de controlo da redacção; deixar mãos livres aos gráficos da Comissão de Trabalhadores para desencadearem o assalto.
Para obter a neutralização política do República, o PCP terá admitido dois cenários: forçar os socialistas a aceitarem uma tutela político-militar de carácter unitário, através do MFA[77]; ou, em alternativa, radicalizar o conflito no interior da empresa, com vista ao seu encerramento e à cessação da publicação do jornal.
A primeira hipótese revelou-se inexequível, porque os socialistas não quiseram encará-la. O segundo cenário também falhou, porque a extrema-esquerda reabriu o jornal, transformando-o num orgão de propaganda revolucionária.
O próprio objectivo de reduzir os socialistas ao silêncio não foi atingido. Numa primeira fase, os redactores expulsos da velha casa da Rua da Misericórdia publicaram o Jornal do Caso República. A história desta publicação de luta não é menos elucidativa acerca da estratégia comunista do que o próprio caso República.
O Sindicato das Artes Gráficas, afecto ao PCP, desencadeou pressões sobre os tipógrafos das empresas onde o jornal era composto e impresso. Ameaças de represálias de natureza vária levaram a que os nove números do Jornal do Caso República[78] tivessem saído de seis tipografias diferentes, desde as oficinas de O Setubalense, onde a impressão foi impedida já com a rotativa a funcionar, até às da Gazeta do Sul, no Montijo, onde os delegados do sindicato forçaram a quatro votações sucessivas em plenário de trabalhadores, até obterem maioria favorável aos seus desígnios. Mas foram em vão os esforços para impedir a publicação do Jornal do Caso República. E, a 25 de Agosto, surgiu o primeiro número do vespertino A Luta, dirigido por Raul Rêgo, à frente da equipa saneada do República.

O embaraço dos eurocomunistas

O caso República causou espanto na Europa e no Mundo. Evocava episódios longínquos da história das revoluções: a Rússia de 1917; o golpe de Praga de 1948... Discursando em Nova Iorque, em 9 de Julho de 1975, Alexander Soljenitsine classificou o processo português de «espécie de caricatura» dos acontecimentos soviéticos. «Que ironia: dizem-nos que os socialistas ganharam as eleições e que Soares está à frente dos vencedores - afirmou o autor do Arquipélago de Gulag - mas isso não impede que lhe tenham suprimido o seu jornal. Tomem nota: suprimiram o jornal do chefe do partido vencedor!».[79]
Ao contrário do que sucedeu em orgãos de informação controlados por forças de direita, susceptíveis de serem acusadas de conúbio com o antigo regime, o «caso República» não podia ser apresentado à opinião pública, interna e externa, como uma acção dirigida contra um grupo de reaccionários.
A solidariedade internacional não se confinou aos meios conservadores e moderados. Atingiu a esquerda e , até, a extrema-esquerda.
O padre Hastings, um dos missionários brancos de Moçambique, que denunciara o massacre de Wiriamu, escreveu numa carta ao Times:
«Se os senhores querem um golpe de direita, esta é a maneira de prepará-lo: atacar os socialistas e o PPD, silenciar o República e o Expresso, jogar na imaturidade política do povo português, alienar o Norte rural, a classe média, a Igreja. Que trágica conclusão seria esta para uma das mais esplendidamente humanas revoluções da História!»[80].
Em Le Nouvel Observateur, o enviado especial René Backman escrevia:
«Numa imprensa que, com poucas excepções, não mudara com o 25 de Abril, louvando o novo regime tão monocordicamente como tinha louvado o antigo, o República fazia, é certo, ouvir a voz do Partido Socialista - grande parte dos seus redactores eram militantes ou simpatizantes e Raul Rêgo foi eleito deputado socialista - mas sobretudo continuava uma tribuna livre e crítica, aberta nomeadamente à extrema-esquerda.»[81]
François Mitterand, então primeiro-secretário do PS francês, na oposição, anota no seu diário político referente a 26 de Maio:
«Publicava-se em Lisboa até há poucos dias um jornal que tinha o belo nome de República. Este jornal era socialista. Resistira durante quarenta anos aos golpes dos ditadores: censura, suspensões e, de vez em quando, prisão dos seus redactores. A liberdade escrevia-se em Portugal com quatro sílabas. Mas o República já não existe. O seu director, Raul Rêgo, hóspede habitual dos cárceres salazaristas, foi sequestrado no seu próprio gabinete e a tipografia ocupada por um comando de operários que os socialistas portugueses suspeitam ter sido mobilizado por iniciativa do Partido Comunista. Rei Salomão de olho vesgo, o Movimento das Forças Armadas pronunciou a sua sentença selando as instalações. Adeus, liberdade de imprensa! A não ser que prestemos todos auxílio à democracia em perigo. Os partidos comunistas de Itália e de Espanha já condenaram a operação. A atitude do Partido Comunista Francês é mais embaraçada. Ora, a liberdade de expressão inscreve-se na primeira linha dos direitos elementares. O caso República é simples, muito simples, deste ponto de vista. Talvez demasiado simples: com efeito, só podemos responder à questão que ele levanta por meio de um sim ou de um não».[82]
Em França, o debate subiu de tom. Discutiam-se os problemas franceses por interposto exemplo português. Os socialistas estavam solidários - à excepção da ala esquerda (CERES) - com os seus companheiros portugueses, mas o PCF hesitou entre a razão e a emoção, entre comprometer a reputação eurocomunista e manifestar solidariedade a Álvaro Cunhal.
«O caso República, mais do que qualquer outro incidente da Revolução Portuguesa - escreve o investigador Alex Macleod - tornou evidentes as complexas relações entre os interesses nacionais e internacionais dos partidos comunistas italiano e francês».[83] Enquanto os comunistas espanhóis e italianos se distanciavam do gonçalvismo, os seus irmãos franceses procuravam, timidamente, justificar Cunhal e minimizar o caso. Sabe-se, no entanto, que desaprovavam, em privado, a conduta do PCP, mas só dois meses depois do assalto ao República, a imprensa oficial do PCF começou a tomar as suas distâncias.[84]

A derrapagem histórica

Na imprensa da esquerda não-comunista, causou surpresa a atitude do Le Monde, expressa num editorial de Jacques Fauvet e na correspondência de Dominique Pouchin e José Rebelo. Num estudo elaborado pelos historiadores Jean-Noël Jeanneney e Jacques Julliard, estas análises sobre a Revolução portuguesa foram incluídas, a par do tratamento jornalístico do Cambodja e da China maoísta, entre as «derrapagens» que colocaram o jornal fundado por Hubert Beuve-Méry, contra a sua tradição, em situação de «divórcio com o socialismo democrático e muito próximo das posições do socialismo autoritário»[85].
Num célebre editorial intitulado «Revolução e Liberdade», Fauvet recusa tanto a interpretação comunista (mero conflito de trabalho) como a socialista (atentado à liberdade)[86]. Reconhecendo que «os socialistas têm alguma razão para temer que o PCP ou os grupos esquerdistas controlem o conjunto dos meios de informação», o editorialista do Le Monde coloca as seguintes questões:
«O atraso cultural de um País, um longo período de ditadura e obscurantismo, tornam difícil a aplicação imediata e sem nuances de uma liberdade de expressão que tende muitas vezes a exercer-se em benefício dos nostálgicos do passado ainda instalados no aparelho. Em Portugal, a liberdade de Imprensa, de que se reclamam os socialistas, não tem dois anos de vigência e nem todos os seus beneficiários a utilizam sem reserva mental. É, pois, grande a tentação de atribuir à Informação, prioritariamente, uma missão educativa, sem a qual a revolução seria travada ou teria de impôr-se pela força. Nem sempre a liberdade é invocada inocentemente. (...) O verdadeiro problema não residirá em saber se, ao permitir a todos o uso da liberdade, não se permite, de facto, que alguns dela abusem?»[87].
As dúvidas de Le Monde suscitaram reacções indignadas da esquerda socialista. Edgar Morin publicou, em Le Nouvel Observateur, um notável artigo contra a tese sustentada no editorial de Fauvet:
«Se a revolução avança à custa da sufocação da Imprensa, volta costas à esperança de um socialismo original à portuguesa e dirige-se, de modo cada vez menos original, para um modelo monótono do socialismo de aparelho (...). O estado de sítio tornou-se o sítio do Estado.
(...) Devemos reaprender que a liberdade impede, não o proletário de comer, mas o tirano de dormir. A ideia de que é necessário pagar com uma privação de liberdade a aquisição de um pouco de igualdade deve ser denunciada como um mito reaccionário»[88].
Noutro quadrante político - mais exactamente, à direita - Raymond Aron também interveio na polémica sobre o República e deixou-nos sinal desse debate nas «Memórias» editadas pouco antes da sua morte:
«(...) Um incidente do período revolucionário originou um debate sobre a liberdade de Imprensa. O jornal República, hostil aos comunistas e próximo dos socialistas, deixou de se publicar; os operários da empresa transformaram-se em censores dos jornalistas. Dado que, nessa altura, os comunistas já controlavam os sindicatos e, pelo menos parcialmente, a rádio e a televisão, enquanto os jornais nacionalizados corriam também o risco de perder a sua autonomia, o caso República assumiu um valor simbólico, mesmo que a acção dos operários não tenha sido, talvez, liderada pelo PCP. Eu tinha comentado o caso República e um artigo do Monde - na coluna da esquerda da primeira página - também analisou o tema. Esse bulletin concluía com a seguinte frase: 'seria justo que os socialistas portuguesas tivessem a possibilidade jurídica de terem um diário, mas é exacto observar que os socialistas franceses não têm a possibilidade económica de possuírem um quotidiano'.
Considerei esta comparação hipócrita e mentirosa: 'o RPR também não possui qualquer diário de grande tiragem; quanto ao PSF, Le Monde serve-o melhor do que serviu no passado ou serviria no futuro um novo Populaire'.
'Em qualquer caso, a França não é Portugal, tal como o Chile não é a França. Os socialistas exprimem-se, sem limitações, na rádio, na televisão, nos jornais - e ainda bem que assim é. Eles não possuem nenhum grande jornal parisiense, porque nenhum partido - nem a UDR, nem os republicanos independentes - o têm.'
Jacques Fauvet replicou no dia 1 de Julho, ao meu artigo de 23 de Junho, 'Il n'y a pas de quoi rire', respondendo, simultaneamente, a Edgar Morin que tinha defendido, apaixonadamente, a liberdade de Imprensa (...) Não desejo fatigar o leitor reproduzindo no todo ou em parte esse longo artigo, tortuoso, falsamente modesto, obscuro em função de tantas cautelas, exemplo típico dos defeitos mais característicos do próprio Fauvet do que dos redactores de Le Monde (...)
Em resposta a J. Fauvet, limitei-me a uma curta anotação:
'Se o sr. Fauvet e Le Monde se tivessem limitado a escrever que uma revolução, na sua primeira fase, não se pode dar ao luxo de certas liberdades, eu teria admitido que isso aconteceu, por vezes, no passado e que valia a pena debater o assunto. O que me parece escandaloso é procurar uma justificação para o caso português numa situação francesa totalmente diversa. Em vez de inventar, já fora de tempo, a legitimidade revolucionária, porque não colocou o sr. Fauvet a única questão importante: a revolução do MFA conduz a uma Imprensa que reflecte as diversas correntes de opinião, ou a uma Imprensa de tipo soviético?'»[89]
Pelo seu lado, Jean Daniel, director de Le Nouvel Observateur, que manteve uma acerba polémica com L'Humanité (orgão central do PCF), a propósito do «processo português», baseou a sua argumentação em pressupostos diferentes, conforme ele próprio relatou à posteriori:
«...Pela minha parte tive, em primeiro lugar, uma reacção de oposição portuguesa. Surpreendeu-me que o redactor do Monde tenha apresentado como nostálgicos do passado fascista, cujo desígnio oculto consistia em travar a revolução, os jornalistas do único diário que não foi subsidiado pelos bancos, nem pelo Estado, enfim, do único diário de que se poderia dizer que era verdadeiramente livre. As objecções que me pareceu necessário fazer ao Monde continham implícita, no entender de alguns, a ideia de que eu me teria resignado a aceitar que a liberdade de Imprensa trazida pela revolução portuguesa fosse reservada apenas aos revolucionários. Um dos meus amigos fez-me notar que, dessa forma, eu defendia mais a honra revolucionária dos dirigentes do República do que o princípio da liberdade. Afinal, repliquei, não era essa a situação que tínhamos conhecido em França, após a libertação, com a proibição dos jornais publicados durante a ocupação? Não era necessário reconhecer que os meio técnicos e económicos indispensáveis para produzir e vender um jornal marcam a diferença entre a liberdade de expressão e a liberdade de Imprensa? Não é conveniente evitar que os meios adequados a formar a opinião fiquem na posse dos únicos que dispõem de recursos necessários ao seu financiamento? O debate respeitava a toda a Imprensa, sem procurar justificar, de forma alguma, o artigo do Monde. Mas introduzia nuances e, a meu ver, enriquecia, os argumentos dos meus amigos.»[90]
O debate internacional não foi menos vivo e acalorado que a polémica interna. Talvez tenha sido, mesmo, mais rico. O que não deve ser motivo de estranheza: na imprensa portuguesa, apesar das trombetas e clarins da propaganda política, começavam a criar-se certas zonas de silêncio.
Em pleno período pós-revolucionário, o caso República constituiu aquilo a que os estrategistas chamam um «incidente crítico», ou seja, um desses acontecimentos imprevisíveis que subitamente emergem, influenciando decisivamente o curso dos acontecimentos.
O conflito localizado no vespertino de Lisboa significou - se me é permitido pedir a palavra emprestada aos analistas - uma espécie de condensação de múltiplas imagens, como se várias representações associadas ao «processo revolucionário em curso» subitamente convergissem numa só imagem forte: a «tomada» pelos tipógrafos revolucionários - protegidos pelas tropas de Otelo - da velha redacção da Rua da Misericórdia.


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(publicado na Revista de História das Ideias, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, na década de 90)
[1] Este artigo corresponde ao artigo publicado na Revista de História das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, constituindo uma versão, revista e actualizada, do texto publicado, sob o título «O Caso República - ou o símbolo destruído», na revista Cadernos de Imprensa, nº1, Julho de 1987, editada pelo Clube Português de Imprensa. Tratando-se de uma publicação de difusão muito limitada e circunscrita ao meio jornalístico, considerou-se útil republicar o artigo na Revista de História das Ideias, tendo-se introduzido ligeiras alterações e actualizado a bibliografia.
[2] Entrevista concedida a Antónia de Sousa e publicada no Diário de Notícias, 11.3.1984.
[3] Mário Soares, Portugal: que Revolução? (Diálogos com Dominique Pouchin), Lisboa, Perspectivas e Realidades, 1976, p.137.
[4] Raul Rêgo exerceu, de início, o cargo de director-adjunto, mantendo-se Carvalhão Duarte como director. A nova equipa jornalística era composta por um grupo de profissionais que saíram do Diário de Lisboa, entre os quais o chefe de redacção (mais tarde, director-adjunto) Vítor Direito, Fernando Assis Pacheco, Antónia de Sousa e Afonso Praça, pelo escritor Álvaro Guerra e por alguns jovens jornalistas ligados à então denominada Acção Socialista Portuguesa (ASP), nomeadamente Jaime Gama e Mário Mesquita.
[5] A reportagem de Inácio Teigão, publicada no Expresso (23.5.1975), registou as seguintes declarações do administrador Gustavo Soromenho: «Eu sempre vos disse que gostaria de ver uma República pluralista um tanto inclinada para o socialismo». No mesmo sentido, v. Mário Soares, op.cit.,pp.139.
[6] Acta da Reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, pp.9-10.
[7] Entre os elementos admitidos na redacção após o 25 de Abril, então considerados afectos ou próximos do PS, podemos citar os nomes de Diogo Pires Aurélio, Eduardo Paz Ferreira, Rocha Vieira, Helena Marques, Jorge Morais, Alberto Arons de Carvalho, João Grego Esteves, Francisco Bélard da Fonseca, Manuel Arons de Carvalho, Rui Camacho e Nuno Coutinho. Regressaram à redacção, após o cumprimento do serviço militar, Jaime Gama e José Manuel Barroso. Também foram admitidos outros situados noutros quadrantes políticos,entrte os quais Fernando Cascais.
[8] Acta da Reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, p.27.
[9] O depoimento de Agostinho Jardim Gonçalves, incluído na acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, pp.18 a 24, contém dados importantes acerca da evolução dos acontecimentos no interior da empresa. Jardim Gonçalves, jornalista e sacerdote católico, representava a redacção na Comissão Coordenadora de Trabalhadores.
[10] Casos de Diogo Pires Aurélio, José Manuel Barroso e Mário Mesquita.
[11] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.75, pp.19-20.
[12] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.75, pp.11-12.
[13] Mário Soares, op.cit., pp.139-40.
[14] Segundo o testemunho de Jardim Gonçalves, acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, p.22.
[15] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.17.
[16] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.26. No mesmo sentido se orienta, embora com menos pormenores, o depoimento de Raul Rêgo, incluído na acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.47.
[17] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.50.
[18] Para elaborar a síntese dos acontecimentos do República socorremo-nos fundamentalmente das actas das reuniões do Conselho de Imprensa dos dias 20, 22, 26 e 27 de Maio de 1975; da colecção do Jornal do Caso República (nove números); e de Fernando Dil e Carlos Pina, orgs., Operação República, Lisboa, Edições Terceiro Mundo, 1975 e Francisco S.Costa e António P.Rodrigues, O Caso República, Lisboa, Edição dos autores 1975.
[19] César de Oliveira, Os Anos Decisivos - Portugal 1962-1985 - Um testemunho, Lisboa, Presença, 1993, p.175.
[20] Diniz de Almeida, Ascensão, Apogeu e Queda do MFA, Lisboa, Edições Sociais, s.d., p.144.
[21] Fernando Dil e Carlos Pina, op.cit., p.137.
[22] Fernando Dil e Carlos Pina, op.cit., pp.142-43.
[23] A nova equipe jornalística do República era, com raras excepções, alheia à antiga redacção e situada em quadrantes políticos de extrema-esquerda. O militante trotskista Georges Filoche, no seu testemunho sobre a «Primavera Portuguesa», refere que o República gauchiste da fase pós-ocupação teve «uma baixa de vendas em grande velocidade». No plano internacional - informa Filoche - contou com o apoio de Lotta Continua em Itália e de diversos grupos esquerdistas em França, por ser considerada um «símbolo da liberdade de expressão e como um jornal produzido por uma comissão de trabalhadores» (in Gérard Filoche, Printemps Portugais, Paris, Editions Acteon, 1984, pp.327 e 357).
[24] Fernando Dil e Carlos Pina, op.cit., p.82.
[25] Fernando S.Costa e António P.Rodrigues, op.cit., p.19.
[26] Fernando Dil e Carlos Pina, op.cit., p.99.
[27] Fernando Dil e Carlos Pina, op.cit., p.136.
[28] Mesa-redonda publicada na revista Flama, 30.5.1975.
[29] Depoimento ao Jornal Novo, 21.5.1975.
[30] O texto integral da carta é o seguinte:
«Gustavo Soromenho, casado, advogado, e Raul Rêgo, casado, moradores na Rua da Misericórdia, 116, 1º, em Lisboa, vêm, na qualidade de administradores da Editorial República, S.A.R.L., expor e requerer a V.Exª o seguinte:
No dia 19 de Maio, cerca das 9 horas e 15 minutos, na sede do jornal República, a direcção deste jornal foi surpreendida com um ultimatum que lhe foi apresentado por um grupo de trabalhadores, no sentido de a forçar à demissão, o mesmo se verificando relativamente à chefia da Redacção. Tal acto infringe directamente os arts.18º e 19º da Lei de Imprensa.
Em face da recusa formal da Direcção em admitir tal imposição o referido grupo perguntou se a Direcção e Redacção estariam dispostas a elaborar o jornal do dia, mantendo-se mesmo assim a exigência da demissão. Reunidas a Direcção e Redacção, esta reiterou por 22 votos contra 2, a sua total confiança e solidariedade com a Direcção, decidindo ao mesmo tempo admitir a feitura do jornal desde que na primeira página fosse inserido um comunicado explicando ao leitor as condições em que o mesmo fora feito.
O citado grupo de trabalhadores recusou categoricamente, declarando que, sendo assim, fá-lo-iam eles mesmos. A partir desse momento a Redacção, sentindo-se coarctada no exercício da liberdade de expressão a que se refere o artº 1º da Lei de Imprensa passou a considerar-se em reunião permanente no seu local de trabalho.
Desde a tarde de sábado 17, esses trabalhadores já tinham montado piquetes de vigilância nas instalações do jornal, tendo esses mesmos piquetes na manhã do dia 19 e a partir dos acontecimentos atrás descritos comunicado a dois membros da redacção que se saíssem não podiam entrar, o que significava, para a Direcção e Redacção, uma situação de sequestro.
Entretanto o mesmo grupo informou a Direcção de que aceitava a publicação do comunicado desde que a mesma Direcção apresentasse a sua demissão. Tendo-lhe reafirmado que, nos termos do Artº 18º da Lei de Imprensa, a nomeação da Direcção é da exclusiva competência da «empresa proprietária, com voto favorável do Conselho de Redacção», o mesmo grupo retirou-se apresentando mais tarde um documento em que «... suspendem do exercício das suas funções a Direcção e Chefia da Redacção do mesmo jornal elegendo como director interino o camarada António Belo Marques», (que desempenhava as funções de director comercial, das quais, aliás, declara que se ia demitir por haver obtido outra colocação).
Foi com este nome na cabeça do jornal que veio para a rua uma edição ilegal do República com violação do disposto nos arts.18º e 20º da lei de Imprensa, facto esse passível de procedimento criminal.
O conhecimento destas anomalias e ilegalidades provocou uma reacção popular que se traduziu na presença de muitos milhares de pessoas em frente das instalações da República, exigindo que esta voltasse a publicar-se com a liberdade e independência que lhe são asseguradas pela Lei de Imprensa em vigor, aprovada pelas autoridades revolucionárias.
Entretanto, compareceram no local várias forças militares, entre as quais o Copcon, tendo também comparecido posteriormente o Sr. Ministro da Comunicação Social, Sr. Comandante Correia Jesuíno e o Sr. Director Geral de Informação, Sr. Comandante Rui Montês.
Na sequência das várias diligências então havidas, as instalações da República foram evacuadas e seladas.
Verificando-se do exposto a violação de várias das garantias estipuladas pela Lei de Imprensa, quer no tocante à liberdade de expressão, quer no tocante à independência dos jornalistas, apresentamos, nos termos da lei de Imprensa, a presente queixa para que a lei revolucionária seja respeitada.»
[31] Na sessão do Conselho de Imprensa de 22.5.1975 e nos termos da respectiva acta (pp. 2-3), o Presidente do CI, juiz-desembargador Henrique Ramalho Ortigão, comunicou que «os membros da Comissão Coordenadora de Trabalhadores do República não compareceram à reunião. Para isso invocaram medidas de precaução em relação à manifestação do PS, cuja concentração era no Rossio, passando depois pelos Restauradores. Isto devido ao facto de, no dia anterior, depois de uma reunião que fizeram, onde compareceram alguns colegas da delegação do jornal República no Porto, quando na estação de Santa Apolónia essas pessoas do Porto se preparavam para entrar no comboio, foram agredidas por um grupo que ostentava emblemas do PS. Põem, ainda, como condições para comparecerem numa sessão do Conselho de Imprensa, ela ser em data e local secretos e não estarem presentes no Conselho os membros que pertencem à redacção do República que têm quaisquer ligações directas com o jornal» (sublinhado meu, M.M.)
[32] Participaram em todas ou em algumas sessões do CI dedicadas ao caso República os seguintes membros: Presidente: Juiz-Desembargador Henrique Ramalho Ortigão; Elementos do MFA: Major António Namorado Freire e Cap. Santa Clara Gomes; Jornalistas: Carlos Veiga Pereira, João Gomes, Manuel da Silva Costa, Maria Antónia Palla, Santos Ribeiro e Manuel António Pina; Representantes das empresas jornalísticas: Adriano Lucas (Imprensa Diária) e Francisco Pinto Balsemão (Imprensa Não-Diária); Directores de publicação: Fernando Teixeira (Publicação Diária) e Maria Adelaide Paiva (Publicação Não-Diária); representantes dos Partidos da coligação: Armando da Silva Carvalho (PCP), Alberto Arons de Carvalho (PS), Manuel de Azevedo (MDP/CDE) e Norberto Lopes (PPD); Representantes da opinião pública (cooptados): Maria de Lurdes Pintasilgo, Eurico Costa, Luisa Dacosta e Andrade e Silva. Secretário: Jorge Figueiredo.
[33] A exposição, manuscrita, consta da acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, pp.13-17. Era subscrita, entre outros, por Júlio Moreira, Vladimiro Correia, Carlos Sereno, António Franco, José Manuel Serrano, Joaquim Dias e Álvaro Belo Marques.
[34] Actas das reuniões do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.4-6, e de 26.5.1975, p.2-5 e 7-12.
[35] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.4.
[36] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.6.
[37] Acta da reunião de 22.5.1975, p.5; Acta da reunião de 26.5.1975, p.9.
[38] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, p.8.
[39] O esclarecimento foi aprovado com 12 votos a favor, uma abstenção e cinco votos contra.
[40] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.39.
[41] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.39.
[42] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 27.5.1975, p.35.
[43] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.35-36.
[44] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.36.
[45] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 20.5.1975, p.34.
41 Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.42-43.
42 Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.43-44.
43 Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p.44.
44 Ibidem.
[46] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, p. 38.
[47] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 26.5.1975, p. 31.
[48] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 27.5.1975, p.41.
[49] Ibidem.
[50] A confirmação da «alteração profunda da linha de orientação do República» foi requerida, a 16 de Julho de 1975, pelos seguintes jornalistas: Víctor Direito, João Gomes, Eduardo Paz Ferreira, Jaime Gama, Rocha Vieira, Álvaro Tavares, Carlos Soares, Artur Alpedrinha, Helena Marques, Jorge Morais, Pedro Foyos, Álvaro Guerra, Alberto Arons de Carvalho, João Grego Esteves, Francisco Bélard da Fonseca, Manuel Arons de Carvalho, Antónia de Sousa, Rui Camacho, António Marcelino Mesquita, Nuno Coutinho e Vasco Fernandes. A deliberação do Conselho foi tomada a 1 de Outubro de 1975.
[51] O texto integral da «Decisão do Conselho de Imprensa sobre o caso República» é do seguinte teor:
«O Conselho de Imprensa tendo analisado os aconteecimentos que levaram ao encerramento do jornal República e na sequência de uma queixa apresentada pelos administradores do referido jornal, drs. Gustavo Soromenho e Raul Rêgo, ouviu a Administração, a Direcção e o Conselho de Redacção daquele periódico e tomou conhecimento de uma exposição elaborada pela Comissão Coordenadora de Trabalhadores do mesmo diário.
Verificou o Conselho de Imprensa ter havido violação da Lei de Imprensa vigente:
- ao serem destituídos pela Comissão Coordenadora de Trabalhadores o Director e Director- Adjunto da República, uma vez nos termos do nº2 de artº 18º e do artº 20º aqueles são «designados pela empresa proprietária com voto favorável do Conselho de Redacçaõ»;
- ao ser destituída a Chefia da Redacção pela mesma Comissão de Trabalhadores, porquanto a alínea c) do artº19º determina ser da competência do Director «a designação do Chefe de Redacção»;
- ao ter sido publicado um número do do jornal República com a menção do Sr. Álvaro Belo Marques como «Director interino» quando não fora nomeado para as funções de Director pela empresa proprietária, ouvido o Conselho de Redacção (nº 2 do artº 18º).
O Conselho de Imprensa porém, não pode deixar de de reconhecer que a análise de outras violações da Lei de Imprensa está prejudicada pelo facto de a República não ter ainda adoptado publicamente um Estatuto Editorial que, no caso das publicações informativas, e segundo o nº 4 do artº 3º «definirá a sua orientação e objectivos comprometendo-se a respeitar os princípios deontológicos da imprensa e a ética profissional, de modo a não poderem prosseguir apenas fins comerciais, nem abusar da boa fé dos leitores, encobrindo ou deturpando a informação».
O Conselho de Imprensa tendo ainda tomado conhecimento da intenção manifestada pela Administração, Direcção e Conselho de Redacção do jornal República de fazer cooperar os restantes trabalhadores na gestão da Empresa e de promover a sua participação crítica na orientação do jornal, exprime a esperança de que o conflito seja rapidamente sanado por acordo de todas as partes envolvidas.
Ao analisar este problema o Conselho reconheceu mais a pertinência de algumas críticas que têm vindo a ser feitas à insuficiência da Lei perante a evolução do processo revolucionário, particularmente no que refere à participação do conjunto dos trabalhadores da Empresa jornalística, na definição e aplicação do Estatuto Editorial dos periódicos, sem prejuízo da salvaguarda do direito do povo à liberdade de informação e da especificidade da função dos jornalistas na garantia desse direito.
O Conselho considera também necessário encontrar estruturas institucionais que garantam a liberdade das publicações doutrinárias e o apartidarismo das publicações informativas com pelo menos um quarto do capital social na posse do Estado ou de outra pessoa colectiva de direito público».
[52] Esta omissão corresponde, aliás, à linha defendida por Silva Costa que duvidava da «possibilidade de o Conselho estar, neste momento, a dizer que há uma tentativa de assalto e de manipulação, mesmo dizendo-o de uma forma genérica, sem pôr em causa a sua honorabilidade, pois não possui informações no processo que apoiem essas declarações" (acta da reunião do Conselho de Imprensa de 27.5.1975. p.34).
[53] Esta formulação é de Rossana Rossanda, conhecida personalidade politica e intelectual, ligada à esquerda marxista italiana (grupo Il Manifesto), com o objectivo de caricaturar essa posição. A sua análise é, no entanto, mais sofisticada do que as teses da extrema-esquerda portuguesa: «É fácil fazer a observação de que não sendo o proletariado a adição dos proletários, não serão os tipógrafos deste ou daquele jornal que podem controlar na qualidade de classe. Mas é interessante perguntar porquê este problema surgir em 1975 e sob esta forma. Lenine, por exemplo, não o conheceu; pelo contrário, teve questões com os tipógrafos, os quais contando que garantissem os seus postos de trabalho, estavam prontos a imprimir fosse o que fosse. O caso é que hoje em dia a divisão entre trabalho manual e intelectual se tornou insuportável, tendo-se adquirido a consciência de massa que quem detém a palavra, detém o poder (...)».
Rossana Rossanda interrogava-se, também, sobre a solução a adoptar para a questão: «Como encontrar uma solução para este problema? Primeiro, reconhecendo-o como tal e na sua imensa potencialidade. Em seguida, garantindo esta Liberdade de Imprensa (...), através da utilização de instrumentos de produção por parte de colectivos intelectuais-manuais relativamente homogéneos ou pelo menos capazes de pactuar. Em todo o caso o pacto deve tomar em conta um terceiro - imperceptível no local de trabalho - e que é o destinatário da informação». (In Que Socialismo? Que Europa? - teses apresentadas no colóquio internacional da Intervenção Socialista, Maio de 1976, Lisboa, Diabril, 1976, pp.168-69).
[54] Mesa redonda publicada na revista Flama, em 30.5.1975.
[55] Editorial da revista Vida Mundial, em 12.6.1975.
[56] A respeito da participação de jornalistas e tipógrafos na organização da empresa jornalística merece ser tido em consideração, embora se debruçe essencialmente sobre a imprensa britânica, o artigo de Neil Ascherson, «Newspaper and Internationaal Democracy», in James Curran (org.), The British Press: a Manifesto, Londres, Acton Society Press Group, 1978, pp. 124-137.
[57] Entrevista a Le Nouvel Observateur, 2.6.1975.
[58] O texto foi publicado no boletim Intercontinental Press (edição de 9.6.1975), editado pelo Socialist Workers Party, organização trabalhista norte-americana, ligada ao Secretariado Unificado da IV Internacional.
[59] No regresso a França de uma viagem a Lisboa, o sindicalista Georges Séguy, secretário-geral da CGT, apresentou o caso República como mera questão laboral, procurando, deste modo, negar pertinência à polémica que rapidamente alastrou em França (v. Lucien Rioux, Le Nouvel Observateur des bons et des mauvais jours, Paris, Hachette, 1982, p.293).
[60] Álvaro Cunhal, A Revolução Portuguesa - O Passado e o Futuro, Lisboa, Edições Avante, 1976.
[61] Fernando Dil e Carlos Pina, op. cit., pp. 55-56.
[62] Jornal do Caso República, 27.3.1975.
[63] João Paulo Guerra, Dossier Comunicação, Lisboa, Edições Avante, p. 21.
[64] Acta da reunião do Conselho de Imprensa de 22.5.1975, pp. 47-49.
[65] Varela Gomes, A Contra-Revolução de fachada socialista, Lisboa, Ler Editora, 1981, p.163.
[66] Costa Gomes, Sobre Portugal (diálogos com Alexandre Manuel), Lisboa, A Regra do Jogo, 1979, p.75.
[67] Fernando Dil e Carlos Pina, op. cit., p. 35.
[68] Mário Soares, op. cit., p.142.
[69] Mário Soares, op. cit., p. 142-143.
[70] André Fontaine, Un seul lit pour deux rêves, Paris, Fayard, Paris, 1982, p. 363.
[71] A este propósito, José Rebelo parece sustentar tese diversa, ao afirmar que «só a consulta dos arquivos do Partido Comunista, o que, diga-se depassagem, se afigura para já uma autêntica quimera, poderá resolver a controvérsia», in Mário Mesquita e José Rebelo (orgs.), O 25 de Abril nos media internacionais, Porto, Afrontamento, 1994, p.99.
[72] Declarações ao Jornal do Caso República, 29.5.1975.
[73] Entrevista concedida a Antónia de Sousa e publicada no Diário de Notícias, 11.3.1984.
[74] Trata-se do prefácio a Gérard Filoche, Printemps Portugais, Paris, Editions Acteon, 1984, pp.9-14.
[75] Dominique Pouchin repensa, nesse texto, toda a sua actividade enquanto enviado especial a Portugal, em 1974-75, afirmando designadamente: «Eu era militante, trotskista (...), quando le Monde me enviou a Portugal no início do mês de Março de 1974 (...). Voltei lá cerca de vinte vezes no espaço de dois anos (...) Eu era militante, mas já não o sou, mas sou, mais do que nunca, jornalista...», George Filoche, op. cit., p.9. No mesmo sentido se orienta o seu depoimento, intitulado «O último teatro leninista», em Mário Mesquita e José Rebelo (orgs.), op.cit, pp.179-183.
[76] In George Filoche, op. cit., p.13. Ao contrário de Dominique Pouchin, o correspondente de Le Monde em Lisboa, no período pós-revolucionário, José Rebelo, mantem, vinte anos depois, uma interpretação próxima daquela que o «seu» jornal sustentou na época (v. o estudo intitulado «Imagens de um pretérito imperfeito», in Mário Mesquita e José Rebelo (orgs.), O 25 de Abril nos media internacionais, Porto, Afrontamento, 1994, pp.79-133).
[77] Tenha-se presente o já referido testemunho do capitão Diniz de Almeida.
[78] O Jornal do Caso República foi publicado, em francês, como suplemento do «Quotidien de Paris», dirigido Phillipe Tesson, o que gerou grande polémica, originando depois a publicação de uma edição francesa do República de extrema-esquerda, por iniciativa de militantes do PSU, da OCR e de diversos outros grupos esquerdistas.
[79] Alexander Soljenitsine, Discours Américains, Paris, Editions du Seuil, Paris, 1975, p. 61-62.
[80] Citado pelo Jornal do Caso República, 3.6.1975.
[81] Citado pelo Jornal do Caso República, 31.5.1975.
[82] François Mitterrand, L'Abeille et L'Architecte, Flamarion, Paris, 1978, p. 49 (Trad. portuguesa, As Janelas da Memória, Bertrand, Lisboa, 1983, p. 126).
[83] V. Alex Macleod, «The French and Italian Comunist Parties and the Portuguese Revolution», in Lawrence S. Graham and Douglas L. Wheeler (orgs.), In Search of Modern Portugal - The Revolution and its consequences,Wisconsin, The University of Wisconsin Press, 1983, p. 308.
[84] Alex Macleod, op. cit., pp. 308-310.
[85]Jean-Noël Jeanneney e Jacques Julliard, Le Monde de Beuve-Méry où le métier d'Alceste, Paris, Seuil, 1979, p. 294.
[86] Num livro-panfleto contra a orientação de Le Monde, nesse período, o jornalista Michel Legris dedicou 21 páginas a rebater, frase a frase, a argumentação de Jacques Fauvet nesse discutidissimo editorial (v. Michel Legris, Le Monde tel qu'il est, Paris, Plon, 1976, pp97.118).
[87] In Le Monde, 21 de Junho de 1975.
[88] In Le Nouvel Observateur, 30 de Junho de 1975.
[89] Raymond Aron, Mémoires, Paris, Julliard, 1983, pp.599-600.
[90] Jean Daniel, L'Ére des Ruptures, Paris, Bernard Grasset, 1979, pp.238-39.

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